Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Quase como há trinta, quase como há dez anos atrás

Jackson de Figueiredo

Católico brasileiro escreve-me dos Estados Unidos uma longa carta, da qual, com as naturais reservas e posto de lado tudo quanto pessoalmente me diz respeito, ouso publicar os seguintes trechos, dignos, penso eu, da atenção de quantos, no Brasil, não restringem a nossa vila política e social à algazarra da imprensa revolucionária e à politicalha que tão gordamente a alimenta: 

“O católico moderno – diz o nosso patrício – nas condições sociais em que vive, deve ter uma orientação bem   definida, que lhe coordene as ideias e convicções por entre a celeuma destoante e confusa de mil orientações filosóficas, que o surpreendem e o solicitam, no contato diário da sociedade. Ele deve ser católico, saber sê-lo, e saber porque o é. Além disto, deve ter um ponto de vista adequado a respeito do movimento social e político que interessa a sua nacionalidade”. 

Julga o nosso compatriota que entre nós poucos são os que compreendem a urgente necessidade dessa “orientação bem definida”. 

E, em ajuda do seu juízo, relata-nos o seguinte: 

“Encontrei-me aqui com um lente de Universidade da Ordem X…, que passou todo o ano de 1920 no Brasil a observar e estudar as condições e atividades dos católicos brasileiros. Ele afirmou-me que a história justifica, de certo modo, a nossa situação presente, mas, alerta! Porque, se não atendermos de pronto a dois grandes problemas, que ameaçam o nosso futuro, ao cabo de duas gerações teremos fatalmente uma pátria protestante, ateia, imoral e perseguidora. 

“O primeiro, é a infantil confiança e desatenção com que os católicos como tais deixam a política inteiramente ao bel prazer e dispor da nossa tão filantrópica Maçonaria, irmã gêmea, no entanto, das maçonarias francesa, mexicana, equatoriana, etc. Esta atitude é manifestamente errada, – é culposa, – é suicida. Os católicos devem convencer-se que têm o direito e dever inadiável de se imporem, de batalharem pelas suas justas reivindicações. 

“Devemos acabar com esse pacifismo covarde e com essa prudência criminosa. É um dever, é uma necessidade vital que se impõe num dilema categórico. Não pode haver mais meio termo! 

“O segundo problema não é menos fundamental e urgente. Devemos organizar um sistema escolar católico. 90% dos católicos brasileiros sabem tudo, menos o que é a Igreja Católica. No interior, o nosso povo, cheio de boa fé e boa vontade, não sabe distinguir entre uma superstição grosseira e a doutrina nobilitante e elevada da nossa divina religião. Nas cidades, o povo entrega-se, e só e só por uma crassa ignorância, aos histerismos do espiritismo explorador e deprimente. Os que se julgam mais de elite entram em congraçamento com o protestantismo, a maçonaria, o teosofismo, etc. Urge, pois, organizarmos um sistema pedagógico católico. Já devíamos acomodar, a esta hora, nas escolas primárias católicas, dois milhões de menores. Devíamos sistematizar o nosso desorientado e vago ensino secundário, mantido por freiras e religiosos. Devíamos criar o nosso ensino universitário. Em todo o Brasil, há apenas a Faculdade de Filosofa (de São Paulo) mantida a custo por um instituto religioso! É desolador! 

“E o lente acrescentou: “Mas esses problemas nem merecem o nome de “problemas”, pois para isso é necessário que o interessado os estude atentamente e se esforce para resolvê-los. Mas os católicos brasileiros estão mais que satisfeitos e otimistas. Dizem: somos a segunda nação católica do planeta; a grande maioria do povo, as nossas mulheres frequentam as igrejas, e os nossos homens estão todos alistados nas confrarias e irmandades, de opas vermelhas…” 

Dá-nos conta o missivista da sua resposta ao ilustre professor de filosofia, que tão pessimista se mostrava… Respondeu-lhe que, quanto ao primeiro daqueles problemas, já se tornara realmente um problema, graças aos esforços de alguns intelectuais católicos, das novas gerações. 

“Quanto ao segundo, quase se poderia afirmar também “problema”, se considerarmos o movimento de petições e súplicas (!) (o sinal de admiração é do missivista) que se fizeram em 1925 aos soberanos e egoístas representantes de uma democracia (?) ( também aqui é dele a interrogação, pois sou de opinião que o que temos é pura e perfeita democracia) como a nossa, a respeito das emendas religiosas. 

“Foi uma agitação bem-intencionada, sem ordem, que durou apenas dois ou três meses, mas de caráter mais ou menos geral. 

“Foi infrutuosa quanto ao objetivo imediato, mas creio que a derrota foi uma lição que mostrou ao vivo até onde poderão ir as nossas esperanças no campo educativo. 

“Só por uma organização pedagógica católica nos será dado estratificar na juventude de hoje a nossa grandeza de amanhã. 

Custará o trabalho e o sacrifício de uma geração inteira. Mas, consegui-lo-emos. 

“Poucos meses após a nossa derrota escolar, vim para os Estados Unidos estudar todas as faces desse (para nós) tão intrincado problema, que aqui, no entanto, é uma grandiosa realização. Imagine o Sr. 7000 escolas primárias com dois milhões de crianças; 2000 ginásios e escolas normais com 120000 alunos; 120 “colleges” e 16 universidades com 38000 estudantes; um corpo docente de 60000 professores; uma sede pedagógica baseada no sistema pastoral diocesano, estendendo-se de um extremo a outro do país; congressos pedagógicos nacionais, onde anualmente se reúnem todo o episcopado, superioras e superiores religiosos, diretores e inspetores escolares, para tratarem exclusivamente do ensino católico. 

“Ora, tudo isto, há trinta anos atrás, eram sonhos irrealizáveis…” 

Fico por aqui nas minhas transcrições, e, com franqueza, dadas certas circunstâncias deste momento, quase não tenho coragem de arriscar um comentário. 

Todavia, devo confessar: se o fizesse seria ainda mais em apoio do professor pessimista que do missivista esperançoso… 

Há mais de dez anos, D. Sebastião Leme, um verdadeiro chefe, saudando a sua, então, arquidiocese de Olinda, dava ao Brasil católico contemporâneo uma verdadeira Magna Carta das suas liberdades, se não é que a deveríamos chamar a nossa carta de alforria. Era, positivamente, pelo menos, a indicação das diretrizes, o roteiro que nos apresentava para a nossa autonomia moral, no seio de uma pátria que não existe, historicamente, se não existimos. 

São daquela página memorável estes períodos de fogo: 

“Diante da constituição, diante do governo, da imprensa, da literatura, das academias e das escolas, do comércio e da indústria, diante de todos os expoentes da nação, somos um povo ateu ou indiferente. 

“E somos – os católicos – a maioria da nação? 

“Ah! É certo, é evidente, é palpável que não sabemos aproveitar a nossa força. 

“Somos católicos de clausura; a nossa fé se restringe ao encerro do oratório ou à nave das igrejas. Quando fora da portada dos lugares santos tremulam os nossos pendões, é certo que neles não fremem entusiasmos de uma reivindicação jurada; braçadas de flores é que eles levam em suas dobras perfumadas; não são bandeiras de ação, são vexilos de procissão. 

“No “fervet opus” da vida contemporânea, somos uma exceção incompreensível. 

“Não agitamos, não movemos, não agimos. 

“Que propaganda fazemos? Que programa desdobramos? Que resistência opomos? 

“Marasmar, assim é grave; assim dormir é fatal. 

“Os resultados aí estão. Negá-los é cegueira; seria inépcia dissimulá-los. 

“Tenhamos a sinceridade cristã de o confessar: – somos uma maioria que não atua, dizíamos há pouco; agora acrescentamos: somos uma maioria asfixiada. 

“O Brasil que aparece, o Brasil-nação, esse não é nosso. É da minoria. 

“A nós, católicos, apenas dão licença de vivermos.” 

Eis aí… Há mais de dez anos… Quantos corresponderam a este angustioso mas corajoso brado de alarma? 

Quantos passaram a ser, social e politicamente, o que são no recesso do lar ou das igrejas? Quantos pugnaram por essa autonomia moral a que o grande Bispo nos impelia? 

Responderam por nós os fatos… 

Deus, no seu amor ao Brasil, trouxe depois este batalhador para o trono episcopal, que assenta no centro mesmo do nosso grande mal urbano, da nossa indefinição social, da nossa desordem política. 

Que não tem feito D. Sebastião Leme para levantar os ânimos católicos e dar-lhes a fisionomia de força definida, autônoma, consciente da sua significação? 

Responderão por mim quantos conhecem a vida social do Rio de Janeiro, nestes últimos dez anos, e, em menor número, todos quantos têm visto de perto o labor incansável e  a formidável  capacidade de harmonizar e pacificar do grande lutador. 

Mas, afora esse espetáculo de um grande Príncipe da Igreja, que é mais que nos tem, de fato, levantado o coração e fortificado a consciência? 

Se outras esperanças vibram por aí asas de fé certo o ruído que elas  fazem é ainda tão longínquo e apagado como se se verificasse num  mundo outro que não o nosso, onde é preciso gritar para ser ouvido, pois é enorme o ruído das paixões e maior ainda o das boas intenções, – que levam ao inferno. 

Gazeta de Notícias, 3 de agosto de 1927