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Comentário à Epístola: I Tessalonicenses IV, 1-12

Santo Tomás Aquino

Lição 1: I Tessalonicenses IV, 1-12

Exorta-os à limpeza do corpo, para que não vivam como os gentios, e que busquem o sustento com o trabalho de suas mãos, para que não cobicem o alheio.

Texto da Epístola:

  1. No mais, irmãos, rogamos-vos e conjuramos pelo Senhor Jesus, que, segundo aprendestes de nós o modo como deveis portardes e agradar a Deus, assim procedais, para progredirdes mais e mais.
  2. Porque já sabeis que preceitos vos dei em nome do Senhor Jesus.
  3. Esta é a vontade de Deus, a saber, vossa santificação: que vos abstenhais da fornicação,
  4. que saiba cada um de vós usar do próprio corpo santa e honestamente;
  5. não com paixão libidinosa, como fazem os gentios, que não conhecem a Deus,
  6. e que ninguém oprima a seu irmão, nem lhe engane em nenhum assunto, posto que Deus é vingador de todas estas coisas, como já antes vos temos dito e protestado,
  7. porque não nos há chamado Deus à imundície, mas à santidade.
  8. De modo que quem menospreza estes preceitos não despreza um homem, mas a Deus, o qual assim mesmo nos deu seu Santo Espírito.
  9. No que concerne à caridade fraterna, não há necessidade de escrever-vos, pois vós mesmos aprendestes de Deus o amar-vos uns aos outros
  10. e assim o fazeis com quantos irmãos há em toda Macedônia. Mas vos rogamos, irmãos, que progredis mais e mais neste amor,
  11. e procureis viver quietos, e atentais ao que tendes de fazer, e trabalheis com vossas mãos, conforme vos temos ordenado;
  12. e que vos porteis modestamente com aqueles que estão fora da Igreja, e que não cobiceis coisa alguma de ninguém.

No capítulo precedente o apóstolo elogiou os fiéis por sua constância em suportar as tribulações por outras coisas boas; aqui os admoesta para no porvir portarem-se bem, primeiro em geral, depois em especial e dá a razão disso. Diz, pois: contaram-me quão bem no passado havíeis portado; mas para o futuro “rogamos-vos e conjuramos”. E os induz primeiro de sua parte. Por isso disse: “rogamos” (Salmos CXXI). Também da parte de Cristo, e assim diz: “e conjuramos pelo Senhor Jesus”. Conjura-os porque eram perfeitos (I Timóteo V, 1). Mas o que lhes roga? “ Que, segundo aprendestes de nós”… Havia-lhes ensinado o apóstolo o modo de andar pelo caminho trilhado da Justiça, que é o dos mandamentos; donde diz: aprendestes (Salmos CXVIII). Do mesmo modo, como agradar a Deus pelo caminho dos conselhos (Sabedoria IV); ou como caminheis, a saber, agindo retamente (São João XII), e como agradeis, a saber, pela reta intenção. “Assim procedais”, isto é, de maneira que guardeis a primeira doutrina, não se apartando dela; porque “ainda quando nós mesmos, ou um anjo do céu vos pregue um evangelho diferente daquele que nós anunciamos, seja anátema” (Gálatas I, 8).O porquê da admoestação é pelo fato de a observância da anterior ter dado seu fruto e também por razão da mesma da correção. Diz pois: ainda que vos portais bem, será mais abundante vosso proveito se vos exercitais na observância dos mandamentos e dos conselhos, porque “poderoso é Deus para nos saciar de todo bem” (II Coríntios IX, 8); pois a caridade é tão dilatada que sempre deixa caminho para se aproveitar nela. De igual maneira, o que aprendestes com meus avisos são coisas honestas e úteis, pois “a lei do Senhor é imaculada” (Salmo XVIII); “o mandamento semelhante a uma tocha, e a lei, como uma luz, e a correção que conserva na disciplina é o caminho da vida” (Provérbios VI, 23). Por isso diz: “que preceitos”, isto é, quais. E isto “em nome do Senhor Jesus”, recebidos dele (I Coríntios XI, Hebreus II). E são estes: “esta é a vontade do Senhor, a saber, vossa santificação”, como se dissesse: a isto se encaminham todos os mandatos divinos: a que sejais santos; pois santidade significa limpeza e firmeza; e o paradeiro de todos os preceitos divinos é que os homens se mantenham firmes no bem e limpos do mal, “a fim de acertar o que é o bom, e o mais agradável, e o perfeito que Deus quer de vós” (Romanos XII,2), a saber, explicados pelos preceitos.

Logo vêm as admoestações em particular, ao dizer: “que vos abstenhais”; corrigi-os de certas desordens e promove entre eles a observância do bem. E três desordens havia entre eles, a saber: de vícios carnais (entre alguns, não todos), de curiosidade, de tristeza pelos mortos; e por isso trata destes. Quanto ao primeiro admoesta que se abstenham do desmedido apetite de carnalidades, explica por quê. A proibição abarca a avareza e a luxúria, que se juntam sempre, porque ambas têm por fim o corpo, ainda que se completem com o deleite do espírito. Igualmente ensina a guardar-se da luxúria na mulher alheia e na própria. Diz, pois: “que vos abstenhais da fornicação”, porque é vontade de Deus. Logo é pecado mortal, porque vai contra o preceito e vontade de Deus. “Guarda-te de toda fornicação” (Tobias IV,13). Mas também a respeito da própria mulher haveis de abster-vos honestamente: “que saiba cada um de vós usar do próprio corpo”, isto é, sua mulher, “santa”, cessando a seus tempos, “e honestamente”, “não se deixando arrastar de concupiscência libidinosa”, de modo que prevaleça a paixão, “ como fazem os gentios”, que têm como divisa o buscar os deleites da presente de vida, não os da futura. “Santa e honestamente”; que nisto consiste o devido uso do matrimônio: que seja para o bem da prole, ou para cumprir a dívida conjugal, e assim pode passar sem pecado. Mas em certas vezes há pecado venial quando a concupiscência não se coloca fora dos limites do matrimônio, a saber, quando alguém, ainda que se abrase com o fogo da concupiscência, não usaria do matrimônio com outra mulher que não a sua. Mas é pecado mortal quando se sai da norma matrimonial e isto quando, ainda que não fosse na sua, unir-se-ia  a mulher alheia (e já seria adultério) e de grau maior que com a própria. “Seja honesto em todos o matrimônio e o leito conjugal em marcha” (Hebreus XIII, 4) porque Deus condenará os fornicadores e os adúlteros. “ Maridos, vós, igualmente, haveis de coabitar com vossas mulheres, tratando-as como honra e discrição, como ao sexo mais fraco, e como a coerdeiras da graça da vida eterna, a fim de que nada estorve o efeito de vossas orações” (I São Pedro III,7).

Veda logo a avareza, ao dizer: “e que ninguém”. Donde diz: “e que ninguém oprima seu irmão”, isto é, faça ele violência valendo-se da força para levar o alheio. “Não são porventura os ricos os que vos tiranizam, e não são esses mesmos os que vos arrastam aos tribunais? ” (São Tiago II, 6). – “Nem lhe engane em nenhum assunto” (Jeremias V); “posto que Deus é vingador de todas essas coisas”. Aponta ele o porquê da admoestação e assinala a divina vingança, que demonstra ser justa. Diz, pois: abstenhamos nos dessas coisas, posto que Deus é vingador”. – “Prevenindo-vos, como já tenho dito, que os que tais coisas fazem não alcançaram o Reino de Deus” (Gálatas V,21).

Pois certamente com toda justiça tal vingança virá, e a razão disso é primeiro uma vocação de Deus, depois a contrariedade do dom; porque se Deus te chama uma coisa, tu fazes a contrária, és digno de pena; por isso disse: “porque não nos chamou Deus à imundice, senão à santidade”.

 – “Escolheu-nos, antes da criação do mundo, para sermos santos e imaculados em sua presença, pela caridade” (Efésios I, 4). Por isso diz: “de modo que, quem menospreza estes preceitos, não despreza um homem, mas a Deus”, como se dissesse: esta é uma das razões especiais das quais eu disse; outra é porque estes vícios são contrários ao Espírito que se nos deu. Donde isto faz injúria ao Espírito Santo. Por isso diz: “o qual assim mesmo nos deu seu Santo Espirito”. – “Aquele que prevarica contra a lei de Moisés, sendo ele provado com duas ou três testemunhas, é condenado sem remissão à morte; pois quão mais duros suplícios, se o pensais, merecerá aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por imundo o sangue do testamento, pelo qual foi santificado, e ultrajar o Espírito Santo, autor da graça? ” (Hebreus X, 29).

Ao dizer a seguir: “no que concerne à caridade fraterna”, aparta-os da ociosidade; porque sabe-se que, segundo são Jerônimo, os Tessalonicenses eram generosos, e era costume entre eles que os ricos dessem grandes esmolas e, por conseguinte, os pobres, amparados por tão frondosa árvore de benefícios, sem querer trabalhar, como abelhas andavam de casa em casa. Por isso primeiro elogia os generosos que davam esmola, depois repreende os mendigos folgazões. Diz, pois, que os primeiros não estão precisam ser admoestados a praticar a caridade, mas que tenham proveito nela. Assim, pois, “no que concerne à caridade fraterna”, isto é, que ameis aos irmãos, “não há necessidade de escrever” (Romanos XII; Hebreus XIII). E a razão é posto que “vós mesmos aprendestes de Deus, a saber, o preceito na lei” (Levítico XIX) e no Evangelho (São João XIII); ou o haveis aprendido pelo ensinamento interior. “ Qualquer um, pois, que escutou ao Pai aprendeu sua doutrina vem a Mim” (São João VI, 45); e isto o aprende por meio do Espírito Santo.

Diz em seguida: “ mais vos rogamos, irmãos”, exorta-os a ter proveito na caridade dizendo: já que sois caritativos com todos, rogamos a Deus que sejais mais; e, ainda que outros abusem (os parasitas), não por isso afrouxeis. “Onde abunda a justiça se faz suma fortaleza” (Provérbios XV, 5).

– “E procureis viver quietos”. Repreende aos folgazões sua indolência, e mostra de que modo irá fazê-lo e por que razão. Diz, pois: “e procureis estar quietos”, a seu exemplo; pois “ não viemos desordenadamente entre vós, nem comemos o pão em vão às custas de outro, senão com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos onerosos a nenhum de vós” (II Tessalonicenses III,8). – “E atentais ao que tendes que fazer”, reprimindo o ócio e fazendo vosso negócio (Provérbios XXIV). Diz “vosso”. Mas porventura não se há que empreender negócio alheio? Parece que sim (Romanos XVI).

 Respondo: digamos que em tudo pode haver desordem, se se põe à parte a ordem da razão; por exemplo, se alguém se porta de modo perverso; e ordenadamente, se se guarda a ordem da razão, e nas coisas necessárias, o que é louvável. – “E trabalheis com vossas mãos”, isto é, fazendo algo com elas, “pois a ociosidade é mestra de muitos vícios (Eclesiástico XXXIII, 29), e “esta foi a maldade de Sodoma: a soberba, a fartura, e abundância, e a ociosidade” (Ezequiel XVI, 49). E isto é de obrigação para todos os que não tem outra fonte de onde prover-se para que possam viver licitamente; porque é de preceito natural que o homem sustente seu corpo. “Aquele que não quer trabalhar que não coma”; por dupla razão: primeira, para dar exemplo aos demais. Donde diz: “que vos porteis modestamente com os que estão fora da Igreja”; pois vendo os infiéis que andais como abelhas, detestam-vos (I Timóteo III). A segunda razão, para não cobiçar o alheio. Por isso diz: “ e não cobiceis coisa alguma de ninguém”.

– “Os desejos matam o preguiçoso” (Provérbios XXI); “ aquele que roubava que já não roube” (Efésios IV). Por conseguinte, se esta indolência é suprimida, sirva de bom exemplo e de repressão dos desejos.


Traduzido por Leonardo Brum a partir da versão espanhola disponível em <http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/pt/kyu.htm#a2>.

[Abaixo, tem-se o texto do II Domingo da Quaresma, na qual se lê a Epístola aqui comentada.]