Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Vida de São Pedro

Johann Peter Kirsch, Enciclopédia Católica

Até a ascensão de Cristo



I. Betsaida

O nome verdadeiro e originário de São Pedro era Simão, que aparece às vezes como Simeão (Atos XV, 14; II São Pedro I, 1). Era filho de Jonas (João) nascido em Betsaida (São João I, 42-44), um povo junto ao lado de Genesaré, cuja localização não há certeza, ainda que geralmente seja apontada no extremo norte do lago. O apóstolo André era seu irmão, e o apóstolo Filipe provinha do mesmo povo.

II. Cafarnaum

Simão estabeleceu-se em Cafarnaum, onde vivia com sua sogra em sua própria casa (São Mateus VIII, 14; São Lucas IV, 38) ao tempo de começar o ministério público de Cristo (por volta de 26-28 d.C.). Portanto, Simão era casado e, segundo Clemente de Alexandria (Stromata, III, vi, ed. Dindorf, II, 276), tinha filhos. Pelo mesmo escritor chega até nós a tradição segundo a qual a esposa de Pedro sofreu o martírio (ibidem, VII, xi ed. cit., III, 306). Acerca desses fatos, adotados por Eusébio (Hist. Eccl., III, xxxi) a partir de Clemente, a literatura cristã que chegou até nós guarda silêncio. Simão dedicou-se em Cafarnaum ao lucrativo ofício de pescador no lago de Genesaré, possuindo seu próprio barco (São Lucas V, 3).

III. Encontro de Pedro com nosso Senhor

Do mesmo modo que muitos de seus contemporâneos judeus, ele se atraía pela pregação de penitência do Batista junto a seu irmão André, estando entre seguidores de João em Betânia, sobre a margem oriental do Jordão. Quando, após o Alto Conselho mandar pela segunda vez enviados ao Batista, este assinalou Jesus que passava, dizendo, “Eis o Cordeiro de Deus”, seguindo André e outro discípulo ao Salvador à sua residência e permanecendo por um dia com Ele.

Mais tarde, encontrando seu irmão Simão, André disse-lhe “Encontramos o Messias”, e o levou até Jesus, que, fixando seu olhar nele, disse: “Tu és Simão, o filho de João: tu te chamarás Cefas, que quer dizer Pedro”. Já neste primeiro encontro, o Salvador antecipou a troca do nome de Simão por Cefas (Kephas, aramaico Kipha, rocha), que é traduzido como Petros (latim, Petrus), provando que Cristo tinha já olhares especiais a respeito de Simão. Mais adiante, provavelmente quando de sua chamada definitiva ao apostolado junto aos outros onze apóstolos, Jesus deu a Simão o nome de Cefas (Petrus), pelo qual era chamado geralmente Pedro, em especial por Cristo na ocasião solene que seguiu a profissão de fé de Pedro (São Mateus XVI, 18; cf. abaixo). Os evangelistas costumam combinar ambos os nomes, enquanto São Paulo usa o nome Cefas.

IV. Pedro converte-se em discípulo

Depois do encontro inicial, Pedro e os outros primitivos discípulos permaneceram com Jesus por algum tempo, acompanhando-o à Galileia (Bodas de Caná), Judeia e Jerusalém, para voltar pela Samaria à Galileia (São João II,4). Aqui Pedro retomou sua tarefa de pescador por um breve lapso, mas logo recebeu um chamado definitivo do Salvador para ser um de seus discípulos permanentes. Pedro e André estavam trabalhando no momento de ser convocados quando Jesus os encontrou e disse: “Vinde comigo e vos farei pescadores de homens”. Na mesma ocasião foram convocados os filhos de Zebedeu (São Mateus IV 18-22; São Marcos I, 16-20; São Lucas V, 1-11; assume-se que Lucas aqui se refere à mesma ocasião que os outros evangelistas). Desde então Pedro permaneceu sempre na proximidade imediata de Nosso Senhor. Logo após o Sermão da Montanha e a cura do filho do centurião, Jesus veio à casa de Pedro e sanou a mãe de sua esposa, que estava enferma de uma febre (São Mateus VIII, 14-51; São Marcos I, 29-31). Pouco depois Cristo elegeu seus doze apóstolos como companheiros constantes a pregar o Reino de Deus.

V. Crescente elevação entre os doze

Pedro logo se sobressaiu entre os doze. Ainda que de caráter indeciso, agarra-se ao Salvador com a maior fidelidade, firmeza de fé e amor íntimo; atropelado tanto de palavra como em seus atos, está cheio de fervor e entusiasmo, ainda que de momento facilmente acessível a influências externas e intimidável pelas dificuldades. Quanto maior relevo tomam os apóstolos na narrativa evangélica, mais se destaca Pedro como primeiro dentre eles. Na lista dos doze por ocasião de serem chamados solenemente ao apostolado, não somente aparece sempre à cabeça Pedro, como também se enfatiza o apelido Petros que Cristo lhe deu (São Mateus X, 2): “Duodecim autem Apostolorum nomina haec: Primus Simon qui dicitur Petrus. . .”; São Marcos III, 14-16: “Et fecit ut essent duodecim cum illo, et ut mitteret eos praedicare . . . et imposuit Simoni nomen Petrus”; Lucas VI, 13-14: Et cum dies factus esset, vocavit discipulos suos, et elegit duodecim ex ipsis (quos et Apostolos nominavit): Simonem, quem cognominavit Petrum . . .”. Em várias ocasiões Pedro fala em nome dos demais apóstolos (São Mateus XV, 15; XIX,27; São Lucas XII, 41, etc.). Quando as palavras de Cristo são dirigidas a todos os apóstolos, Pedro responde em nome deles (por exemplo, em São Mateus XVI, 16). Com frequência o Salvador se dirige especial a Pedro (São Mateus XXVI, 40; São Lucas XXII, 31, etc.).

Muito característica é a expressão de verdadeira fidelidade a Jesus que Pedro lhe dirige em nome dos outros apóstolos. Logo após haver falado sobre o mistério da recepção de seu corpo e de seu sangue (São João VI 22 ss.) e de ver que muitos de seus discípulos o deixavam, Cristo perguntou aos doze se eles também o abandonariam. A resposta de Pedro surge de imediato “Senhor aonde iremos? Tu tens palavras de vida eterna e nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus” (Vulg. “tu és o Cristo, o Filho de Deus”). O próprio Cristo inconfundivelmente acorda uma precedência especial a Pedro e o primeiro lugar dentre os apóstolos designando-o assim em várias ocasiões. Pedro foi um dos três apóstolos (com Tiago e João) que estiveram com Cristo em certas ocasiões especiais: a elevação da filha de Jairo dos mortos (São Marcos V, 37; São Lucas VIII, 51) a Transfiguração de Cristo (São Mateus XVII, 1; São Marcos IX, 1; São Lucas IX, 28), a agonia no Horto de Getsêmani (São Mateus XXVI, 37; São Marcos XIV,33). Também em várias ocasiões Cristo o preferiu acima do resto: sobe à barca de Pedro no lago de Genesaré para pregar à multidão na margem (São Lucas V, 3); quando Ele caminhava milagrosamente sobre as águas, chamou Pedro para que cruzasse até ele pelo lago (São Mateus XIV, 28 ss.); Cristo o mandou ao lago para capturar o peixe em cuja boca Pedro encontrou o estáter (ver NUMISMÁTICA) para pagar como tributo (São Mateus XVII, 24 ss.).

VI. Pedro se torna cabeça dos apóstolos

De maneira especialmente solene, Cristo acentuou a precedência de Pedro entre os apóstolos quando, logo depois que Pedro o reconheceu como o Messias, Ele prometeu que encabeçaria seu rebanho. Jesus morava então com seus apóstolos na proximidade de Cesaréia de Filipe, ocupado em sua obra de salvação. Como a vinda de Cristo coincidia tão pouco em poder e glória com as expectativas do Messias, circulavam muitas visões a respeito dele. Ao viajar com seus apóstolos, Jesus lhes pergunta: “Que dizem que os homens que é o Filho do Homem? ”. Os apóstolos contestaram: “Uns, que é João Batista, outros, que é Elias, outros que é Jeremias, ou um dos profetas”. Jesus disse: “Mas que dizem vós que sou eu? ” Simão disse: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. E Jesus replicando e disse: “Bem-aventurado és Simão Barjonas, porque não te revelou isto a carne nem o sangue, mas meu Pai que está nos Céus. E eu por minha vez te digo que tu és Pedro [Kipha, uma rocha], e sobre esta pedra [Kipha] edificarei minha Igreja [ekklesian] e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. A ti te darei as chaves do Reino dos Céus; e o que ligares na terra ficará ligado nos Céus, e o que desligares na terra ficará desligado nos Céus. Então mandou seus discípulos que não dissessem a ninguém disse que Ele era o Cristo” (São Mateus XVi, 13-20; São Marcos VIII, 27-30; São Lucas IX, 18-21).

Mediante a palavra “pedra” o Salvador não deve ter se referido a Si mesmo, mas apenas a Pedro, como é muito mais evidente em aramaico, onde a mesa palavra (Kipha) se usa para “Pedro” e “rocha”. Sua expressão só admite então apenas uma explicação, a saber, que Ele deseja fazer de Pedro a cabeça de toda a comunidade daqueles que creram nele como o verdadeiro Messias, que por esta fundação (Pedro) o Reino de Cristo seria inconquistável; a direção espiritual dos fiéis foi posta nas mãos de Pedro, como representante especial de Cristo. Este significado se torna tanto mais claro quando recordamos que as palavras “ligar” e “desligar” não são metafóricas, mas termos jurídicos judaicos. Também fica claro que a posição de Pedro entre os apóstolos e na comunidade cristã era a base do Reino de Deus na terra, ou seja, a Igreja de Cristo. Pedro foi instalado por Cristo em pessoa como cabeça dos apóstolos. Este fundamento criado para a igreja por seu fundador não poderia desaparecer com pessoa de Pedro, antes sua intenção era que continuasse, e continuou (como o demonstra a história real) no primado da Igreja Romana e seus bispos.

É completamente incongruente e insustentável em si mesma a posição dos protestantes que (à maneira de Schnitzer em tempos recentes) afirmam que a supremacia dos bispos romanos não pode ser deduzida da precedência que Pedro guardava entre os apóstolos. Assim como a atividade essencial dos doze apóstolos de construir e estender a Igreja não desapareceu completamente com suas mortes, é seguro que estão pouco desapareceu por completo a primazia apostólica de Pedro. Segundo a intenção de Cristo, deve haver continuado sua existência e desenvolvimento de uma forma apropriada ao organismo eclesiástico, assim como ofício dos apóstolos continuou de uma maneira apropriada. Têm-se levantado objeções a respeito da autenticidade das palavras na passagem, mas o testemunho unânime dos manuscritos, as passagens paralelas nos outros Evangelhos, e o credo firme na literatura pré-constantina suportam as provas mais seguras de autenticidade e do estado inalterável do texto de Mateus (cf. “Stimmen aus MariaLaach”, I, 1896,129 sqq.; “Theologie und Glaube”, II, 1910,842 sqq.).

VII. Sua dificuldade com a Paixão de Cristo

Não obstante sua fé firme em Jesus, Pedro não tinha ainda claro conhecimento da missão e obra do Salvador. Em especial os padecimentos de Cristo, contraditórios com sua concepção mundana do Messias, resultavam inconciliáveis, e essa concepção errônea produziu ocasionalmente a aguda reprovação de Jesus (São Mateus XVI, 21-23; São Marcos VIII, 31-33). O caráter indeciso de Pedro, que continuou não obstante sua finalidade entusiasta a seu Mestre, revelou-se claramente em conexão com a Paixão de Cristo. O Salvador já lhe havia dito que Satanás havia desejado que fosse ele peneirado como trigo. Mas Cristo havia rogado por ele, para que sua fé não desfalecesse e, havendo sido convertido, confirme seus irmãos (São Lucas XXII, 31-32). A afirmação de Pedro, segundo a qual estava pronto para acompanhar seu Mestre até a prisão e morte, provocou que Cristo predissesse que Pedro o negaria (São Mateus XXVI, 30-35; São Marcos XIV 26-31; São Lucas XXII 31-34; São João XIII 33-38). Quando Cristo procedeu a lavagem dos pés de seus discípulos antes da Última Ceia e se dirigiu primeiro a Pedro, este protestou a princípio, mas ao declarar Cristo que de outro modo não teria parte com Ele, disse de imediato: “Senhor, não somente os pés, mas até as mãos e a cabeça” (São João XIII, 1-10). No horte de Getsêmani Pedro teve de suportar a reprovação do Salvador por haver dormido com os outros, enquanto seu Mestre sofria uma angústia mortal (São Marcos XVI, 14-37). Ao ser preso Jesus, num arroubo de ira Pedro quis defender seu Mestre pela força, mas Ele o proibiu, de maneira que a princípio fugiu com os outros apóstolos (São João XVIII, 10-11; São Matheus XXVI 26-56); então voltando seguiu seu Senhor cativo ao pátio do Sumo Sacerdote, negando ali a Cristo, afirmando de forma explícita e jurando que não o conhecia (São Mateus XXVI, 58-75; São Marcos XIV, 54-72; São Lucas XXII, 54-62; São João XVIII, 15-27). Esta negativa devia-se, por certo, não a uma falta de fé interior em Cristo, mas antes ao medo e covardia exterior. Seu pesar foi desta forma maior, quando ao dirigir-lhe o olhar seu Mestre, reconheceu claramente o que havia feito.

 VIII. O Senhor Ressuscitado confirma a precedência de Pedro

Apesar de sua debilidade, seu lugar como cabeça dos apóstolos foi confirmado mais adiante por Jesus, e sua precedência não foi menos destacada após a ressurreição do que antes. As mulheres que foram as primeiras a encontrar o sepulcro de Cristo vazio, receberam do anjo um recado especial para Pedro (São Marcos XVI, 7). Somente a ele dentre os apóstolos apareceu Cristo no primeiro dia após a Ressurreição (São Lucas XXIV, 34; I Coríntios XV, 5). Mas o mais importante de tudo, quando apareceu junto ao lago de Genesaré, Cristo renovou a comissão especial a Pedro de alimentar defender seu rebanho, depois que Pedro afirmou por três vezes seu amor especial por seu Mestre (São João XXI, 15-17). Em conclusão, Cristo predisse a morte violenta que haveria de sofrer Pedro e, desta maneira, convidou-o a segui-lo de um modo especial (ibidem, 20 – 23). Deste modo Pedro foi chamado e treinado para o apostolado, e investido com o primado dentre os apóstolos, que exercitou de maneira inequívoca depois da Ascensão de Cristo ao Céu.

IX. São Pedro e Jerusalém e Palestina após as Ascensão

Nossa informação sobre as primeiras atividades apostólicas de São Pedro em Jerusalém, Judéia e os distritos em direção ao norte até a Síria, deduz-se principalmente da primeira parte dos Atos dos Apóstolos, e é confirmada pelas Incidentais menções colaterais nas Epístolas de São Paulo.

Dentre os muitos apóstolos e discípulos que, após a Ascensão de Cristo aos Céus desde o Monte das Oliveiras, retornaram a Jerusalém para aguardar o cumprimento de sua promessa de enviar o Espírito Santo, Pedro se destaca imediatamente como líder de todos, e é constantemente reconhecido daí em diante como cabeça da comunidade cristã em Jerusalém. Ele toma a iniciativa na designação ao Colégio Apostólico de outra testemunha de vida, morte e ressurreição de Cristo para substituir Judas (Atos dos Apóstolos I, 15-26). Após a vinda do Espírito Santo na festa de Pentecostes, Pedro profere, estando à frente dos apóstolos, o primeiro sermão público para proclamar a vida morte e ressurreição de Jesus, e ganha um grande número de judeus como convertidos à comunidade cristã (ibidem II, 14-41). O primeiro dos apóstolos a operar um milagre público, quando adentrou o templo e curou um homem aleijado na Porta Formosa. À gente que se amontoava em seu assombro ao redor dos apóstolos, prega-lhes um longo sermão no Pórtico de Salomão e traz um novo incremento no rebanho de crentes ibidem, III,1-4).

Nos subsequentes interrogatórios aos dois apóstolos diante do Grande Sinédrio dos judeus, Pedro defende de maneira intrépida e impressionante a causa de Jesus e a obrigação e liberdade dos apóstolos de pregar o Evangelho (ibidem, IV,5-21). Quando Ananias e Safira tentam enganar os apóstolos e o povo, Pedro se apresenta como juiz de sua ação e Deus executa a sentença de castigo ditada pelo apóstolo, causando a morte súbita aos dois culpados (ibidem V, 1-11). Mediante numerosos milagres Deus confirma a atividade apostólica dos crentes em Cristo, havendo também aqui menção especial de Pedro, já que se registra que os habitantes de Jerusalém cidades vizinhas levavam seus enfermos em seus leitos às ruas para que pudesse cair sobre eles a sombra de Pedro e por isso serem curados (ibidem V, 12-16). O sempre crescente número de fiéis provocou o Supremo Conselho judaico a adotar novas medidas contra os apóstolos, mas “Pedro e os apóstolos” respondem que “Há que se obedecer a Deus antes que aos homens” (ibidem, V, 29 ss.). Não somente a Jerusalém mesmo foi que Pedro trabalhou para cumprir a missão que lhe confiou seu Mestre. Também reteve conexão com outras unidades cristãs da Palestina e pregou o Evangelho tanto ali como nas terras localizadas mais ao norte. Quando o diácono Filipe conquistou uma grande quantidade crentes na Samaria, Pedro e João foram enviados a dirigirem-se ali desde Jerusalém para organizar a comunidade e invocar Espírito Santo que descera sobre os fiéis. Pedro se apresenta pela segunda vez como juiz do caso do mago Simão, que deseja adquirir apóstolos o poder invocar também o Espírito Santo (ibidem VIII 14-25). No caminho de regresso a Jerusalém os dois apóstolos pregavam as alegres notícias do Reino de Deus. Daí em diante, após a partida de Paulo de Jerusalém e sua conversão antes de Damasco, as comunidades cristãs na Palestina foram deixadas em paz pelo conselho judeu.

Pedro empreendeu então uma extensa viagem missionária, que o levou às cidades marítimas Lida, Jope e Cesaréia.  Em Lida curou o paralítico Enéas, em Jope elevou Tabita (Dorcas) dentre os mortos, e em Cesaréia, instruído por uma visão tida em Jope, batizou recebeu na igreja os primeiros cristãos não judeus, o centurião Cornélio e sua gente (ibidem IX 31-10, 48). Ao regresso de Pedro a Jerusalém um pouco mais adiante, os judeus cristãos estritos que consideravam adesão completa à lei judaica como obrigatória para todos, perguntaram-lhe porque havia entrado e comido na casa dos incircuncisos. Pedro fala de sua visão e defende sua ação, que foi ratificada pelos apóstolos e os fiéis de Jerusalém (ibidem XI, 1-18).

Uma confirmação do lugar recordado por Lucas nos Atos a Pedro, suporta-o o testemunho de São Paulo (Gálatas I, 18-20). Após sua conversão e de três anos de residência na Arábia, Paulo foi Jerusalém, “para conhecer Pedro”. Aqui o apóstolo dos gentios claramente designa Pedro como a cabeça autorizada dos apóstolos da primitiva Igreja Cristã. A longa residência de Pedro em Jerusalém e Palestina logo chegou a seu fim. Herodes Agripa I iniciou (42-44 d.C.) uma nova perseguição à Igreja em Jerusalém. E, depois execução de Tiago, o filho de Zebedeu, este governante fez que se pusesse a Pedro na prisão, com a intenção de também executá-lo quando houvesse passado a Páscoa judaica. Pedro, não obstante, foi libertado de maneira milagrosa, e dirigindo-se à casa da mãe de João Marcos, onde muitos dos fiéis estavam reunidos para oração, informou-lhes sobre sua libertação das mãos Herodes, mandou-lhes que comunicassem o fato a Tiago e os irmãos e então saiu de Jerusalém para ir “a outro lugar” (Atos dos Apóstolos XII,1-18). Sobre a posterior atividade de São Pedro não recebemos mais informação das fontes existentes, ainda que possuamos breves notícias sobre certos episódios individuais de sua vida futura.

 X. Viagens missionárias no Oriente; O Concílio dos apóstolos

São Lucas não nos diz aonde foi Pedro após sua libertação da prisão em Jerusalém. De comentários casuais sabemos que subsequentemente ele fez longas excursões missionárias no Oriente, ainda que não se nos dá pista alguma sobre a cronologia de suas viagens. É seguro que permaneceu durante algum tempo em Antioquia; até pode haver retornado mais ali várias vezes. A comunidade cristã de Antioquia foi fundada por judeus cristianizados que haviam sido expulsos de Jerusalém pela perseguição (ibidem, XI, 19 ss.). A residência de Pedro entre eles prova-se mediante o episódio que concerne à observância da lei ainda entre os pagãos cristianizados, relatado por São Paulo (Gálatas II, 11-21). Os apóstolos principais em Jerusalém — os “pilares”, Pedro, Tiago e João — haviam aprovado sem reservas o apostolado de São Paulo entre os gentios, enquanto eles por sua parte tinham uma intenção de trabalhar principalmente entre judeus. Enquanto Paulo vivia em Antioquia (a data não pode ser terminada com certeza) São Pedro foi ali e se mesclou livremente com cristãos não-judeus da comunidade, frequentando seus lares e compartilhando suas comidas. Mas quando os cristãos judeus chegaram a Jerusalém, Pedro, por temor que por isso se escandalizassem estes rígidos observadores da lei cerimonial judaica e sua influência entre os cristãos judeus se pusesse em perigo, evitou depois disso comer com os incircuncisos.

Sua conduta impressionou gravemente os os cristãos judeus de Antioquia, ao ponto que até Barnabé, companheiro de São Paulo, então evitou comer com os pagãos que cristianizados. Por ser a esta ação totalmente oposta aos princípios e práticas de Paulo e poderia levar à confusão entre os pagãos convertidos, este apóstolo reprovou publicamente São Pedro, porque sua conduta parece indicar o desejo de impulsionar os convertidos pagãos a fazerem de si judeus e aceitar a circuncisão e a lei judaica. Todo o incidente é outra prova da posição de autoridade que São Pedro detinha na Igreja primitiva, uma vez que seu exemplo e sua conduta eram considerados decisivos. Mas Paulo, que acertadamente viu a incoerência na conduta de Pedro e os cristãos judeus, não titubeou em defender a imunidade dos pagãos convertidos diante da lei judaica. A respeito da atitude subsequente de Pedro nesta matéria, São Paulo não nos proporciona informação explícita. Todavia, é altamente provável que Pedro tenha ratificado a argumentação do Apóstolo dos Gentios e, daí em diante, tenha se comportado como no princípio diante dos pagãos cristianizados. Como principais opositores de sua visão a respeito, Paulo menciona e combate todos seus escritos somente os cristãos judeus extremos vindos “de Tiago” (isto é, de Jerusalém). Quanto à data deste episódio, se antes ou depois do Concílio dos Apóstolos, não se pode determinar, mas é provável que tenha ocorrido depois (ver abaixo). A tradição tardia que existiu pelo final do século II (Orígenes, “Hom. VI in Lucam”; Eusébio, “Hist. Eccl.”, III, XXXVI), segundo a qual Pedro fundou a Igreja de Antioquia, indica o fato que ele trabalhou por um longo período ali e talvez por lá viveu ali até o fim de seus dias e então designou como cabeça da comunidade a Evodrius, o primeiro da linha de bispos de Antioquia. Esta outra versão explicaria da melhor maneira tradição que se refere à fundação da Igreja de Antioquia por São Pedro.

É também provável que Pedro tenha prosseguido seus trabalhos apostólicos em vários distritos da Ásia Menor, porque seria difícil supor que passou todo o período entre sua libertação da prisão e o Concílio dos Apóstolos ininterruptamente em uma cidade, fosse Antioquia, Roma ou outra. E dado que depois dirigiu a primeira de suas epístolas aos fiéis nas províncias do Ponto, Galácia, Capadócia e Ásia, pode-se razoavelmente presumir que ele havia trabalhado pessoalmente em ao menos algumas cidades dessas províncias, dedicando-se principalmente à Diáspora. A epístola, não obstante, é de caráter geral e dá pouco indício de relações pessoais com aqueles aos quais está dirigida. Não pode ser totalmente rechaçada a tradição relatada pelo Bispo Dionísio de Corinto (em Eusébio, “Hist. Eccl.”, II, XXVIII) em sua carta à Igreja Romana sob o Papa Sotero (165-74) segundo a qual Pedro (da mesma forma que Paulo) havia vivido em Corinto e implantado ali a Igreja. Ainda que a tradição não deva ser suportada pela existência do “partido de Cefas”, que Paulo menciona entre outras divisões da Igreja de Corinto (I Coríntios I, 12; III, 22) a estadia de Pedro em Corinto (até em conexão com a implantação e governo da Igreja por Paulo) não é impossível. Que São Pedro realizou várias viagens apostólicas (sem dúvida neste tempo, especialmente quando ele não residia já permanentemente Jerusalém) estabelece-se claramente pela afirmação genérica de São Paulo em (I Coríntios XII; 3-22) a respeito dos “demais apóstolos, e os irmãos [primos] do Senhor, e Cefas”, que estavam viajando pelos arredores no exercício de seu apostolado.

Pedro retomou retornou ocasionalmente à inicial igreja cristã em Jerusalém, cuja direção futura foi encomendada a Tiago, o parente de Jesus, após a partida do Príncipe dos Apóstolos (42-44 d.C.). A última menção de São Pedro nos Atos (XV, 1-29; cf. Gálatas II, 1-10) surge na resenha do Concílio dos Apóstolos por ocasião de uma visita muito efêmera. Como consequência dos problemas causados a Pedro e Barnabé pelos extremos cristãos judeus em Antioquia, a Igreja dessa cidade enviou estes dois apóstolos com outros enviados a Jerusalém para obter uma decisão definitiva a respeito das obrigações dos pagãos convertidos (ver JUDAIZANTES). Além de Santiago, estavam então (50-51 d.C.) em Jerusalém, Pedro e João. No tratamento e a decisão desta importante questão, Pedro exerceu naturalmente influência decisiva. Quando se havia manifestado na assembleia uma grande divergência de opiniões, Pedro pronunciou a palavra decisiva. Muito antes, de acordo com o testemunho divino, ele havia anunciado o Evangelho aos gentios (conversão de Cornélio e dos seus); por que, então, tentar aplicar o jugo judaico ao pescoço dos pagãos convertidos? Depois que Paulo e Barnabé relataram como Deus havia trabalhado entre os gentios ao seu redor, Tiago, o principal representante dos cristãos judeus, adotou o critério de Pedro de acordo com ele fez propostas que foram expressas em uma encíclica aos pagãos convertidos.

Os episódios de Cesaréia e Antioquia, assim como debate no Concílio de Jerusalém, revelam claramente a atitude de Pedro é endereçada aos convertidos do paganismo. Da mesma forma que os outros onze apóstolos originais, ele se considerava chamado a pregar a fé em Jesus primeiro entre judeus (Atos dos Apóstolos X, 42), de maneira que o povo escolhido por Deus pudesse compartilhar a salvação em Cristo, prometido primeiramente a eles e surgindo de seu seio. A visão em Jope e a efusão do Espírito Santo sobre Cornélio, o pagão convertido e sua gente, determinaram que Pedro admitisse a eles de imediato na comunidade dos crentes sem lhes impor a lei judaica. Em suas viagens apostólicas fora da Palestina ele reconheceu na prática a igualdade dos convertidos judeus e dos gentios, tal como prova seu proceder original em Antioquia. Seu distanciamento dos convertidos gentios, por consideração os cristãos judeus de Jerusalém, de nenhuma maneira foi um reconhecimento oficial do juízo dos judaizantes extremistas, tão opostos a São Paulo. Isto é clara e indiscutivelmente estabelecido por sua atitude no Concílio de Jerusalém. Entre Pedro e Paulo não havia diferenças dogmáticas em sua concepção da salvação para os cristãos judeus e gentios. O reconhecimento de Paulo como Apóstolo dos Gentios (Gálatas XXI, 1-9) foi totalmente sincero e exclui toda questão sobre uma divergência fundamental de juízos. São Pedro e os outros apóstolos reconheciam os convertidos do paganismo como irmãos cristãos em pé de igualdade; cristãos judeus e gentios formavam um só Reino de Cristo. Se Pedro dedicou a parte preponderante de sua atividade apostólica aos judeus, isso se deu principalmente por constelações práticas e da posição de Israel como povo escolhido. A hipótese de Baur sobre a existência de correntes opostas de “Pedrismo” e de “Paulismo” na Igreja primitiva é altamente insustentável e totalmente rechaçada hoje pelos protestantes.

 XI. Atividade e morte em Roma; Local da sepultura

É um fato histórico indisputavelmente estabelecido que São Pedro trabalhou em Roma durante alguma parte de sua vida e finalizou seu curso terreno pelo martírio. Quanto à duração de sua atividade apostólica na capital romana, a continuidade ou não de sua residência ali, os detalhes de êxito nos seus trabalhos e a cronologia de sua chegada e de sua morte, todas essas questões são incertas e podem resolver-se somente mediante hipóteses mais ou menos bem fundadas. O fato essencial é que Pedro morreu em Roma: isto constitui o fundamento histórico da alegação dos Bispos de Roma sobre o Primado Apostólico de Pedro.

A residência morte de São Pedro em Roma são estabelecidas para além de toda disputa como fatos históricos pela série de claros testemunhos, que se estendem desde o final do primeiro século até o final do segundo, provindo de vários países.

Que o modo e, portanto, o lugar de sua morte tenham sido conhecidos em círculos cristãos muito extensos até o final do século I, resulta claro a partir da observação introduzida no Evangelho de São João, a respeito da profecia de Cristo segundo a qual o Pedro estava ligado a Ele e seria conduzido aonde não queria — “ com isto indicava o tipo de morte com que iria glorificar a Deus” (São João XXI, 18-19, ver acima). Tal observação pressupõe o conhecimento da morte de Pedro pelos leitores do Quarto Evangelho.

A Primeira Epístola de São Pedro foi escrita quase indubitavelmente em Roma, dado que a saudação final diz: “Saúda-vos a (igreja) que está em Babilônia eleita como vós, assim como meu filho Marcos” (V, 13). Babilônia deve ser identificada como a capital romana, uma vez que não pode referir-se à Babilônia sobre o Eufrates, que  jazia em ruínas ou à Nova Babilônia (Selêucia) sobre o Tigre, ou à Babilônia Egípcia próximo a Mênfis, ou a Jerusalém. Deve referir-se a Roma, a única cidade que é chamada Babilônia em outra parte pela antiga literatura cristã (Apocalipse XVII, 5; XVIII, 10; “Oracula Sibyl.”, V, versos 143 y 159, ed. Geffcken, Leipzig, 1902, 111).

A partir do Bispo Papias de Hierápolis e Clemente de Alexandria, ambos os quais apelam ao testemunho dos antigos presbíteros (isto é, os discípulos dos apóstolos) sabemos que Marcos escreveu seu Evangelho em Roma a pedido dos cristãos romanos, que desejavam um memorial escrito da doutrina pregada a eles por São Pedro e seus discípulos (Eusébio, “Hist. Eccl.”, II, xv; III, xi; VI, xiv); isto é confirmado por Irineu (Adv. haer., III, i). Em conexão com esta informação relativa ao Evangelho de São Marcos, Eusébio, fiando-se talvez de uma fonte anterior, diz que Pedro em sua Primeira Epístola descreveu Roma em forma figurada como Babilônia.

Outro testemunho sobre o martírio de Pedro e Paulo é proporcionado por Clemente de Roma em sua Epístola aos Coríntios (escrita por volta de 95-97 d.C.) onde afirma (v):  “mediante o zelo e a astúcia, os maiores e mais retos sustentos [da igreja] sofreram a perseguição e foram combatidos até a morte. Coloquemos diante de nosso olhar os bons apóstolos São Pedro, o qual em consequência de um injusto zelo sofreu, não um ou dois, mas numerosos agravos e, havendo dado assim testemunho (martyresas) ingressou ao merecido lugar de glória”. Depois menciona Paulo e o número de eleitos, que estavam reunidos com os outros que sofreram o martírio “entre nós” (en hemin, isto é, entre os romanos, sentido que a expressão também tem no capítulo iv). Indubitavelmente fala, como prova-o o parágrafo completo da perseguição de Nero, referindo-se dessa maneira ao martírio de Pedro e Paulo à essa época.

Em sua carta escrita ao começo do século II (antes do ano 117) enquanto era levado a Roma para ser martirizado, o venerável Bispo Inácio de Antioquia procura por todos os meios refrear os cristãos romanos de lutar por lograr o perdão para ele, assinalando: “nenhuma coisa lhes mando, como Pedro e Paulo: eles eram apóstolos, enquanto eu sou apenas um cativo” (Ad. Rom., iv). O significado desta expressão deve ser que os dois apóstolos trabalharam pessoalmente em Roma, pregando ali o Evangelho com autoridade apostólica.

O Bispo Dionísio de Corinto em sua carta à Igreja Romana em tempos do Papa Sotero (165-74) diz: “Portanto, tu mediante tua urgente exortação ligaste muito estreitamente a semeadura de Pedro e Paulo em Roma e em Corinto. Pois ambos plantaram a semente do Evangelho também em Corinto e juntos nos instruíram, tal como de modo similar ensinaram no mesmo lugar da Itália e sofrer o martírio ao mesmo tempo” (em Eusébio, “Hist. Eccl.”, II, xxviii).

Irineu de Lyon, um nativo da Ásia Menor e discípulo de Policarpo de Esmirna (um discípulo de São João), passou um tempo considerável em Roma pouco depois da metade do século II e logo seguiu a Lyon, onde tornou-se Bispo no ano 177; descreveu a Igreja Romana como a mais destacada e principal conservadora da Tradição Apostólica, como “a maior e mais antiga igreja, conhecida por todos, fundada e organizada em Roma por pelos dois mais gloriosos apóstolos, Pedro e Paulo” (Adv. haer., III, iii; cf. III, i). Deste modo apela ao fato, conhecido universalmente, da atividade posterior de Pedro e Paulo em Roma, para encontrar nisso uma prova da tradição contra os hereges.

Em seus “Hypotyposes” (Eusébio, “Hist. Eccl.”, IV, xiv), Clemente de Alexandria, mestre na escola de catequeses dessa cidade desde cerca do ano 190, afirma com a força da tradição dos presbíteros: “Depois que Pedro anunciou a palavra de Deus em Roma e pregou o Evangelho no Espírito de Deus, a multidão dos ouvintes pediu a Marcos, que havia acompanhado extensamente a Pedro em todas as suas viagens, que escrevesse o que os que os apóstolos lhes haviam pregado” (ver acima).

Como Irineu, Tertuliano apela em seus escritos contra os hereges a prova suportada pelos trabalhos apostólicos de Pedro e Paulo em Roma acerca da veracidade da tradição eclesiástica. Em “De Praescriptione”, xxxv, diz: “Se estão próximos da Itália, têm a Roma, onde autoridade está sempre à mão. Que afortunada é esta Igreja a qual apóstolos derramaram todo seu ensinamento com seu sangue, onde Pedro emulou a Paixão do Senhor e onde Paulo foi coroado com a morte de João” (o Batista). Em “Scorpiace”, xv, ele também fala da crucifixão de Pedro. “O broto de fé foi ensanguentado primeiro por Nero em Roma. Ali Pedro foi cingido por outro, dado que foi ligar ligado à cruz”. Como ilustração da falta de importância sobre que água se utiliza para administrar o batismo, sustenta em seu livro (“Sobre o Batismo, capítulo V) que não há “nenhuma diferença entre aquela com qual batizou João no Jordão e aquela com a qual Pedro batizou no Tibre”; e contra Marcião apela para o testemunho dos cristãos de Roma, “aos quais Pedro e Paulo legaram o Evangelho, selado com seu sangue” (Adv. Marc., IV, v).

Caio, o romano que viveu em Roma nos tempos do papa Zeferino (198-207) escreveu em seu “Diálogo como Proclus” (em Eusébio, “Hist. Eccl”, II, xxviii) dirigido contra os montanistas: “Mas eu posso mostrar os troféus dos apóstolos. Se vos importais em ir ao Vaticano ou a caminho à Óstia, encontrarão os troféus daqueles que fundaram esta Igreja”. Por troféus (tropaia) Eusébio entende as tumbas dos apóstolos, mas sua ótica é confrontada por investigadores modernos que consideram que se refere ao lugar da execução. Para nosso propósito não é importante qual opinião é correta, pois o testemunho retém seu valor total em ambos os casos. De qualquer modo, os lugares de execução e de enterro de ambos estão próximos; São Pedro, que foi executado no Vaticano, recebeu também ali sua sepultura. Eusébio se refere também à “inscrição dos nomes de Pedro e Paulo que foram preservados até hoje ali nas sepulturas” (em Roma).

Existia, portanto, em Roma um antigo memorial epigráfico comemorando a morte dos apóstolos. A obscura citação no Fragmento Muratório (“Lucas optime theofile conprindit quia sub praesentia eius singula gerebantur sicuti et semote passionem petri evidenter declarat”, ed. Preuschen, Tubingen, 1910, p. 29) pressupõe também uma definida tradição antiga a respeito da morte de Pedro Roma.

Os apócrifos Atos de São Pedro e Atos dos Santos Pedro Paulo, pertencem de maneira similar à série de testemunhos sobre a morte dos dois apóstolos em Roma.

Em oposição a este testemunho claro e unânime da primitiva cristandade, uns poucos historiadores protestantes em tempos recentes trataram de descartar como legendária a residência e morte de Pedro em Roma. Estes intentos resultaram num completo fracasso. Asseverava-se que a tradição a respeito da residência de Pedro Roma iniciou-se primeiro nos círculos ebionitas e formava parte da Lenda de Simão, o Mago, na qual Paulo é enfrentado por Pedro como um falso apóstolo sob Simão; ao tempo que esta peleja fora transplantada a Roma, também surgiu em data primitiva a lenda da atividade Pedro nesta capital (assim em Baur “Paulus”, 2da ed., 245 ss., seguida por Hase e especialmente por Lipsius, “Die quellen der romischen Petrussage”, Kiel, 1872). Mas esta hipótese tem se mostrado fundamentalmente insustentável pelo caráter íntegro e a importância puramente local do ebionitismo, sendo refutada diretamente pelos anteditos testemunhos genuínos e inteiramente independentes, que são ao menos de uma antiguidade similar. Mais ainda, foi inteiramente abandonado por historiadores protestantes sérios (cf., por exemplo, os comentários de Harnack em “Gesch. der altchristl. Literatur”, II, I, 244, n. 2). Um mais recente intento de mostrar que São Pedro foi martirizado em Jerusalém foi realizado por Erbes (Zeitschr. fur Kirchengesch., 1901, pp. 1 sqq., 161 ss.). Ele apela aos apócrifos Atos de São Pedro, no qual dois romanos, Albino e Agripa, são mencionados como perseguidores dos apóstolos. A estes identifica como Albino, procurador da Judéia e sucessor de Festus, e Agripa II, Príncipe da Galiléia, onde chega à conclusão que Pedro foi condenado à morte e sacrificado pelo procurador de Jerusalém. O caráter insustentável desta hipótese se faz imediatamente visível pelo mero fato de que nosso mais antigo testemunho definido sobre a morte de Pedro em Roma antecede por muito os Atos apócrifos; ademais, nunca em toda extensão da antiga Cristandade foi designada outra cidade fora de Roma como lugar do martírio dos santos Pedro Paulo.

Ainda que atividade e morte de São Pedro em Roma seja tão claramente estabelecida, não temos informação precisa sobre os detalhes de sua estada em Roma. As narrações contidas na literatura apócrifa do século II, sobre a suposta contenda entre Pedro e Simão o Mago, pertence ao domínio da lenda. Do que foi dito sobre a origem do Evangelho de São Marcos, podemos deduzir que Pedro trabalhou durante um longo período em Roma. Esta conclusão é sustentada pela voz unânime da tradição, que desde a segunda metade do século II designa o Príncipe dos Apóstolos como fundador da Igreja Romana. Sustenta-se amplamente que Pedro fez uma primeira visita a Roma após ser milagrosamente libertado da prisão em Jerusalém; que Lucas referia a Roma por “outro lugar”, mas omitiu o nome por razões especiais. Não é impossível que Pedro tenha realizado uma viagem de missão a Roma por volta desta época (depois de 42 d.C.), mas esta viagem não pode ser estabelecida com certeza. De qualquer forma, não podemos, em apoio desta teoria, apelar para as notas cronológicas de Eusébio e Jerônimo, dado que, ainda quando estas notas retroagem até as crônicas do século III, não são traduções antigas, mas antes o resultado de cálculos baseados em listas episcopais. Na lista de Bispos de Roma que data do século II, introduziu-se no século III (como sabemos por Eusébio e a “Cronografia de 354”) a nota sobre vinte e cinco anos de pontificado de São Pedro, mas não podemos rastrear sua origem. Este agregado, em consequência, não sustenta a hipótese de uma visita de São Pedro a Roma logo após sua libertação da prisão (por volta do ano 42). Portanto, podemos admitis somente a possibilidade de uma visita tão anterior à capital.

A tarefa de determinar o ano da morte de São Pedro está rodeada de dificuldades similares. No século IV e ainda nas crônicas do século III, encontramos duas notas distintas. Nas “Crônicas” de Eusébio se dá a morte de Pedro e Paulo como ocorrida nos anos 13º e 14º de Nero (67–68); esta data, aceita por Jerônimo, é sustentada geralmente. O ano 67 também é sustentado pela informação aceita igualmente por Eusébio e Jerônimo, segundo a qual o Pedro foi a Roma no reinado do imperador Cláudio (segundo Jerônimo, no ano 42), assim como pela tradição antedita dos vinte e cinco anos de episcopado de Pedro (cf. Bartolini, “Sopra l’anno 67 se fosse quello del martirio dei gloriosi Apostoli”, Roma, 1868). Uma versão distinta é provida pela “Cronografia de 354” (ed. Duchesne, “Liber Pontificalis”, I, 1 ss.). Esta indica a chegada de São Pedro a Roma no ano 30, e sua morte como a de São Paulo no ano 55.

Duchesne mostrou que as datas na “Cronografia” foram inseridas numa lista dos papas que contém somente seus nomes e a duração de seus pontificados de onde, sob a suposição cronológica de ser o ano da morte de Cristo o de 29, inseriu-se o ano 30 como o começo do pontificado de Pedro e sua morte referida no ano 55 sobre a base dos 25 anos de pontificado (op. cit., introd., vi ss.). Esta data, entretanto, foi defendida recentemente por Kelner (“Jesus von Nazareth u. seine Apostel im Rahmen der Zeitgeschichte”, Ratisbon, 1908; “Tradition geschichtl. Bearbeitung u. Legende in der Chronologie des apostol. Zeitalters”, Bonn, 1909). Outros historiadores aceitaram o ano 65 (por exemplo, Bianchini, em sua edição do “Liber Pontilicalis” en P. L.. CXXVII. 435 ss.) ou o ano 66 (por exemplo Foggini, “De romani b. Petri itinere et episcopatu”, Florença, 1741; também Tillemont). Harnack procurou estabelecer o ano 64 (isto é, o começo da perseguição de Nero) como o da morte de Pedro (“Gesch. der altchristl. Lit. bis Eusebius”, pt. II, “Die Chronologie”, I, 240 ss.). Esta data, que já havia sido sustentada por Cave, du Pin e Wiesler , foi aceita por Duchesne (Hist. ancienne de l’eglise, I, 64). Erbes aponta a morte de São Pedro em 22 de fevereiro de 63 e de São Paulo em 64 (“Texte u. Untersuchungen”, nueva serie, IV, i, Leipzig, 1900, “Die Todestage der Apostel Petrus u. Paulus u. ihe rom. Denkmaeler”). Portanto a data da morte de Pedro não foi decidida ainda; o período entre julho de 64 (início da perseguição de Nero) e começo de 68 (em 9 de julho Nero fugiu de Roma e se suicidou) deve deixar-se em aberto para a data da sua morte. O dia de seu martírio também se desconhece; 29 de junho, o dia aceito de sua festa desde o século IV, não pode ser provado como o dia de sua morte (ver abaixo).

A respeito da forma que Pedro morreu, contamos com a tradição testemunhada por Tertuliano ao final do século II (ver acima) e por Orígenes (em Eusébio, “Hist. Eccl.”, II, i) — segundo a qual sofreu crucifixão. Orígenes sustenta que: “Pedro foi crucificado em Roma com sua cabeça para baixo, como ele mesmo havia desejado sofrer”. Como o lugar da execução podem muito provavelmente aceitarem-se os Jardins Neronianos no Vaticano, dado que segundo Tácito ali se representavam em geral as horrendas cenas da perseguição de Nero; e neste distrito, na vizinhança da via Cornélia e ao pé das Colinas Vaticanas, o Príncipe dos Apóstolos encontrou sua sepultura. Desta tumba (dado que a palavra tropaion era, como já se disse, corretamente interpretada como tumba) Caio já fala no século III. Por um tempo, os restos de Pedro descansaram com os de Paulo numa cripta na Via Ápia lugar ad catacumbas, onde agora está a Igreja de São Sebastião (que ao ser erguida no século quarto foi dedicada aos dois apóstolos). Os restos haviam sido provavelmente levados ali no começo da perseguição valeriana em 258, para protegê-los da ameaça de profanação quando foram confiscados os sepulcros cristãos. Foram mais tarde restituídos a seu prévio lugar de repouso e Constantino o Grande fez erigir uma magnífica basílica sobre a tumba de São Pedro ao pé da Colina Vaticana. Esta basílica foi substituída pela atual de São Pedro no século XVI. A cripta com o altar construído sobre ela (confessio) tem sido o mais venerado santuário de um mártir no Ocidente. Na estrutura inferior do altar, sobre a cripta que continha o sarcófago com os restos de São Pedro, fez-se uma cavidade. Esta foi fechada por meio de uma porta em frente ao altar. Ao abrir essa porta o peregrino desfruta do grande privilégio de ajoelhar-se justamente em cima do sarcófago do apóstolo. Costumava-se dar chaves desta porta como recordação (cf. Gregório de Tours, “De gloria martyrum”, I, XXVIII).

A memória de São Pedro está intimamente relacionada com a Catacumba de Santa Priscila na Via Salária. Segundo a tradição corrente na tardia antiguidade cristã, neste lugar São Pedro instruía os fiéis e administrava o batismo. Esta tradição parece ter sido baseada em testemunhos de monumentos ainda anteriores. A catacumba situada debaixo do jardim de uma vila da antiga família cristã e senatorial Acilii Glabriones e sua fundação, retroage até o final do século I; e dado que Acilio Glabrio (q.v.) cônsul em 91, foi sob Domiciano condenado à morte por ser cristão, é bastante possível que a fé cristã da família datasse dos tempos apostólicos e que o Príncipe dos Apóstolos se outorgou recepção hospitalária na casa deles durante sua residência em Roma. As relações entre Pedro e Prudêncio, cuja casa estava no sítio do atual tempo de Prudêncio (agora Santa Prudentiana) parecem repousar melhor numa lenda

Em relação às Epístolas de São Pedro, ver EPÍSTOLAS DE SÃO PEDRO; a respeito dos vários apócrifos que leva o nome Pedro, especialmente o Apocalipse e o Evangelho de São Pedro, ver APÓCRIFO. O sermão apócrifo de Pedro (kerygma) que data da segunda metade do século II, era provavelmente uma coleção de supostos sermões do apóstolo; vários fragmentos são preservados por Clemente de Alexandria (cf. Dobschuts, “Das Kerygma Petri kritisch untersucht” en “Texte u. Untersuchungen”, XI, i, Leipzig, 1893).


[Segue abaixo texto com o próprio da Missa da Festa dos Apósotolos São Pedro e São Paulo.]