[Nota do IJF: por ocasião do aniversário de falecimento do nosso patrono, ocorrido há 91 anos, publicamos em nosso site esta homenagem póstuma feita a ele pelo poeta Carlos Drummond de Andrade, enquanto pedimos aos nossos amigos e leitores orações por sua alma.]
Carlos Drummond de Andrade
Belo Horizonte, 1929
Jackson
nem amigo nem inimigo,
nem mesmo (o que seria cômodo) espectador displicente na sua poltrona
espiando teus gestos, tuas palavras e obras,
mas distante, extraordinariamente distante daquilo que foi a tua vida,
mais distante ainda dos mundos que explorastes, viajante inquieto, sem tempo para esgotá-los, e só te conhecendo bem depois que abriste os braços para morrer,
aqui estou, testemunha depondo.
Jackson,
os que te conheceram e te amaram
os que te conheceram e não te amaram
os que não tiveram tempo de te amar,
os que não cruzaram no teu destino, os que ignoram o teu nome, os que jamais saberão que exististes, estão todos um pouco mais pobres do que eram antes.
Uns perderam o amigo.
Outros , o inimigo, o grande e belo inimigo que orgulha.
Outros nada perderam, e é tão triste, tão doloroso não perder nada.
Como estes, eu me sinto pobre da pobreza de não ter sido dos teus Jackson,
e eu sinto verdadeiramente por todos aqueles que jamais suspeitarão disso.
Voltou o tempo dos prodígios.
Ainda há pescas maravilhosas, eu sei.
E os peixes que arrebatastes a um mar mais crespo que o de Tiberíades
Estão cantando a glória do Senhor.
Milhares de escamas, milhares de dorsos, de luzes, de almas
elevam um cântico tão puro que a terra se mistura com o céu
e nem se percebe o pescador que as ondas arrebatam,
que as ondas arrebatam violentamente, para depois se apaziguar, enquanto o corpo mergulha e os peixes cantam a glória do Senhor.
Agora sentimos que estás mais perto de nós,
Que por obscuros caminhos nós chegamos mais a ti,
(pouco importam as ondas e esta camada de terra que nos separa de tuas espécies em decomposição).
Muitas coisas nos ensinou a tua morte, que a tua boca não soubera exprimir e a tua pesca mais opulenta, Jackson, foi a de ti mesmo pelo oceano, pesca terrível e prodigiosa de amor e redenção.
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ANDRADE, Carlos Drummond de. Ode a Jackson de Figueiredo. A Ordem, Rio de Janeiro, v. 9, n.4, p. 150-151, dez. 1929.