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Sermão 201 — A manifestação do Senhor

Santo Agostinho

1. Há poucos dias celebramos o nascimento do Senhor; hoje celebramos, com não menos merecida solenidade, a sua primeira manifestação aos gentios. Naquele dia, os pastores judeus o viram como um recém-nascido1; hoje os sábios do oriente o adoram2. Na verdade, nascera aquela pedra angular na qual se encontrava a parede da circuncisão e a do prepúcio, cuja diversidade de origens não era exatamente pequena; havia nascido para que se unissem nele, que se tornou a nossa paz e fez dos dois povos um só 3. Isso foi simbolizado no povo dos pastores de Israel e nos magos gentios. Então começou o que deveria crescer e dar frutos em todo o mundo. Pela alegria espiritual que lhes está associada, consideremos estes dois dias como as datas mais gratificantes, o do nascimento e o da manifestação do nosso Senhor. Os pastores judeus foram conduzidos a ele pelo anúncio do anjo; magos, pela indicação de uma estrela. Estrela que confunde os vãos cálculos e enigmas dos astrólogos, pois mostrava aos adoradores das estrelas que aquele que deveria ser adorado é o criador do céu e da terra. Na verdade, quem ao morrer escureceu o antigo sol 4, ele mesmo ao nascer manifestou a nova estrela. Essa luz deu início à fé dos gentios, que as trevas eram uma acusação contra a incredulidade dos judeus. Que estrela foi que nunca apareceu antes entre as estrelas, nem foi vista depois? O que mais era senão a linguagem extraordinária do céu que parecia narrar a glória de Deus e proclamar com seu brilho incomum o inusitado parto de uma virgem, a quem o Evangelho seguiria, uma vez que ela desaparecesse, em toda a face da terra? Finalmente, o que os magos disseram ao chegar? Onde está o rei nascido dos judeus?5 O que significa isto? Não nasceram muitos reis judeus antes? Por que tanto esforço para encontrar e adorar o rei de um povo estranho? Vimos – dizem – sua estrela no leste, e viemos para adorá-lo6. Acaso o buscariam com tanta devoção, o desejariam com um afeto tão piedoso, se não tivessem reconhecido no Rei dos Judeus que ele também é o Rei dos séculos?

2. Consequentemente, Pilatos também foi inspirado por uma aura de verdade quando em sua paixão ele tinha o título de Rei dos Judeus escrito7; título que os judeus, mentirosos, queriam corrigir, e a quem ele respondeu: O que escrevi, escrevi8, porque estava previsto no salmo: Não modifique a inscrição do título 9. Prestemos atenção a este grande e maravilhoso mistério. Ambos, os magos e Pilatos eram gentios; os primeiros viram a estrela no céu, o segundo escreveu o título no madeiro, mas aqueles e este buscavam ou reconheciam não o rei dos gentios, mas o rei dos judeus. Os judeus, porém, não viram a estrela nem concordaram com o título. Já estava ali prefigurado o que o Senhor disse mais tarde: Muitos virão do oriente e do ocidente e se sentarão no reino dos céus à mesa de Abraão, Isaque e Jacó; em vez disso, os filhos do reino irão para as trevas exteriores 10. Na verdade, os magos tinham vindo do Leste e Pilatos do Oeste; portanto, os primeiros dão testemunho dele como rei dos judeus quando ele sai (isto é, ele nasce) e o segundo quando ele se põe (isto é, ele morre) para se sentar no reino dos céus à mesa com Abraão, Isaque e Jacó, de quem trouxe sua origem aos judeus. Eles não vieram deles pela carne, mas foram enxertados neles pela fé, antecipando a oliveira selvagem que seria enxertada na oliveira da qual o Apóstolo fala11. É por essa razão que os mesmos gentios não buscavam nem reconheciam nele o rei dos gentios, mas o dos judeus: porque era a oliveira brava que vinha à oliveira, não a oliveira à oliveira brava. Porém, os ramos que precisavam ser podados, isto é, os incrédulos judeus, ao mesmo tempo em que respondiam que em Belém de Judá12, aos magos que perguntavam onde Cristo deveria nascer, eram teimosamente cruéis perante Pilatos, que os reprovava por querer crucificar seu rei13. Assim, pois, os magos o adoraram, os judeus tendo-lhes mostrado o lugar do nascimento de Cristo, porque na Escritura, dada aos judeus, é onde reconhecemos a Cristo. O gentio Pilatos lavou as mãos quando os judeus lhe pediram a morte de Cristo14 porque o sangue que os judeus derramaram é o que lava nossos pecados. Para falar do testemunho dado por Pilatos, através do título em que escreveu que Cristo era o rei dos judeus, há outro momento oportuno: o tempo da paixão.

3. Dediquemos agora o pouco que nos resta ao que diz respeito à manifestação de Cristo após o seu nascimento. O dia dessa manifestação, quando ele começou a se mostrar aos gentios, quando os magos o adoravam, é chamado de Epifania na língua grega. É importante considerar como os judeus responderam aos magos, que lhes perguntaram onde Cristo deveria nascer, que seria em Belém de Judá, e mesmo assim eles não os acompanharam, senão a mesma estrela de quando partiram os conduziu até o lugar onde estava o pequenino. Desta forma, ficou claro que eles também poderiam mostrar a cidade, mas que havia sido retirada de suas vistas por um curto período de tempo para que pudessem questionar os judeus. O propósito de perguntar a eles era mostrar que eles eram portadores do testemunho divino não para sua salvação e conhecimento pessoal, mas para os gentios. O povo judeu foi expulso de seu reino e disperso por todo o país com o objetivo de que fossem em todos os lugares testemunhas obrigadas da fé naquele de quem são inimigos. Com efeito, tendo perdido o templo, os sacrifícios, o sacerdócio e o próprio reino, eles mantêm seu nome e sua raça, unidos a alguns ritos ancestrais, para que não se misturem indiscriminadamente com os gentios, eles desapareçam e deixem de ser testemunhos a favor da verdade. Da mesma forma, Caim recebeu um sinal para que ninguém matasse quem matou seu irmão por inveja e orgulho.16. Isso também pode ser entendido, sem violar o texto, no Salmo cinquenta e oito, em que Cristo, falando em vez de seu corpo, diz: Meu Deus me ofereceu a prova em meus inimigos; não os mate, para que nunca se esqueçam de sua lei17. Na verdade, por meio desses inimigos da fé cristã, é mostrado aos gentios que Cristo foi profetizado. Pode ser que, vendo tanta clareza no cumprimento das profecias, passassem a pensar que as mesmas Escrituras haviam sido inventadas pelos cristãos, pois liam como profetizado de Cristo o que viram ter sido cumprido. Os judeus fornecem os códices, e Deus, portanto, nos oferece a prova em nossos inimigos. Ele não os matou, isto é, não os exterminou completamente da face da terra, para que não se esqueçam de sua lei. Quando o leem e cumprem alguns de seus preceitos, ainda que carnalmente, lembram-se dele para sua própria condenação e oferecem um testemunho a nosso favor.

[1] Cf Lc 2,8-12

[2] Cf Mt 2,1-11

[3] Cf Ef 2,11-22

[4] Cf Lc 23,44

[5] Mt 2,2

[6] Mt 2,2

[7] Jn 19,19

[8] Jn 19,22

[9] Sal 56,1

[10] Mt 8,11-12

[11] Cf Rm 11,24

[12] Mt 2,5

[13] Cf Mt 27,21-23

[14] Cf Mt 27,24

[15] Mt 2,5

[16] Cf Gn 4,1-15

[17] Sal 58,11-12

Traduzido por José Derivaldo Júnior a partir da versão espanhola de Pío de Luis, OSA, disponível em: http://www.augustinus.it/spagnolo/discorsi/discorso_256_testo.htm