Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Carta Encíclica “Fausto Appetente Die”

Por ocasião do VII centenário da morte de São Domingos de Gusmão

Carta Encíclica do Sumo Pontífice Bento XV


CARTA ENCÍCLICA

Aos nossos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e outros ordinários locais em paz e comunhão com a Sé Apostólica.

Veneráveis Irmãos:

Saudação e Benção Apostólica.

Aproxima-se o sétimo centenário do dia em que a luz da santidade, Domingos, passou destas misérias para a sede dos Bem-aventurados. Há muito que nos interessamos pelos seus devotos, sobretudo desde que assumimos o governo da Igreja de Bolonha, que com zelosa piedade preserva os seus restos mortais. Por isso, temos o prazer de poder, desta Sé Apostólica, exortar o povo cristão a celebrar a memória de tão grande homem. Nisto, não apenas consultamos a nossa própria piedade, mas cumprimos um dever de gratidão para com o pai e legislador e para com a distinta Ordem que ele fundou.

2 – Este homem de Deus e verdadeiro Dominicus foi totalmente dedicado à Santa Igreja, que tinha nele um campeão invencível da fé. A Ordem dos Pregadores também; fundada por ele, sempre foi a forte defesa da Igreja Romana. E assim não apenas fortaleceu o templo em seu tempo, mas também providenciou a continuação da defesa. As palavras de Honório III ao aprovar a Ordem parecem proféticas: “… olhando para os irmãos de sua Ordem como os futuros campeões da Fé e as verdadeiras luzes do mundo.”

3 – Com efeito, como todos sabem, para a difusão do reino de Deus, Jesus Cristo não usou outra arma senão a pregação do Evangelho, isto é, a voz viva de Seus arautos, que difundiram por toda parte a doutrina celestial. “Ensinai”, disse Ele, “todas as nações.” “Pregai o Evangelho a toda criatura.” Consequentemente, a partir da pregação dos Apóstolos, e especialmente de São Paulo, aconteceu que com a pregação sendo seguida da doutrina e disciplina dos Padres e depois dos Doutores, as mentes dos homens foram iluminadas com a luz da verdade e conceberam um amor por todas as virtudes. Seguindo a mesma linha em sua obra pela salvação das almas, Domingos propôs a si mesmo e a todos os seus seguidores “participar aos outros o que eles haviam contemplado”. Por esta razão, além do dever de cultivar a pobreza, a inocência de vida e a disciplina religiosa, impôs à sua Ordem de maneira estrita e solene que fosse zelosa no estudo da doutrina cristã e na pregação da verdade.

4 – Na pregação dominicana resplandecem três qualidades: grande solidez doutrinal, plenitude de fidelidade para com a Sé Apostólica, piedade para com a Virgem Mãe. Pois, embora Domingos se sentisse maduro para a pregação, não assumiu esse cargo antes de ter trabalhado arduamente nos estudos de filosofia e teologia na Universidade de Palência. Muito familiarizado com os Padres, sob sua orientação e ensino, ele primeiro, por assim dizer, recebeu em seu sangue e medula as riquezas da Sagrada Escritura, e especialmente de Paulo.

5 – O valor deste conhecimento das coisas divinas não muito tempo depois foi visto em suas disputas contra os hereges. Eles estavam armados com todas as artes e falácias para atacar os dogmas da fé; ainda assim, com sucesso maravilhoso, ele os confundiu e refutou. Isso apareceu especialmente em Toulouse, a cabeça e o centro das heresias, onde os mais eruditos dos adversários haviam se reunido. Está registrado que ele, com seus primeiros companheiros, poderosos nas palavras e obras, resistiu invencivelmente à insolência dos hereges. Na verdade, ele não apenas resistiu às forças deles, mas suavizou seus espíritos com sua eloquência e caridade que reconduziram um grande número de hereges ao seio da Igreja. O próprio Deus visivelmente o assistia em sua batalha pela fé. Deste modo, tendo aceitado o desafio dos hereges de que cada um deveria entregar seu livro às chamas, somente seu livro permaneceu intocado pelo fogo. Assim, com a bravura de Domingos, a Europa foi libertada do perigo da heresia albigense.

6 – É com tal qualidade de sólida doutrina que ele ordenou que seus filhos fossem adornados. Pois, logo após a aprovação de sua Ordem pela Sé Apostólica e a confirmação do nobre título de Pregadores, ele providenciou para que casas fossem fundadas o mais próximo possível das famosas universidades para que seus irmãos pudessem mais facilmente se exercitar em todos os ramos da cultura e obter seguidores nas fileiras dos estudantes universitários. Consequentemente, o instituto dominicano desde o início foi famoso por seu aprendizado. Sua missão especial sempre foi cuidar das várias feridas do erro e difundir a luz da fé cristã, visto que não há maior obstáculo à salvação eterna do que a ignorância da verdade e a perversidade da doutrina. Não era estranho, então, que os olhos e os corações de todos se voltassem para este novo apostolado, baseado no Evangelho e nos ensinamentos dos Padres, juntava a estes a abundância de todos os ramos do conhecimento.

7 – A própria sabedoria de Deus parecia falar através dos dominicanos quando se ergueram entre eles arautos e defensores da sabedoria cristã como Jacinto da Polônia, Pedro, o Mártir, Vicente Ferrer, e milagres de gênio e erudição como Alberto Magno, Raimundo de Penaforte, Tomás de Aquino, aquele grande filho de Domingos, por meio do qual Deus especialmente “dignou-se a iluminar a sua Igreja”. Esta Ordem, portanto, sempre honrada como a mestra da verdade, adquiriu novo fulgor quando a Igreja declarou ser dela o ensinamento de Tomás, sendo este Doutor honrado pelos elogios especiais dos Pontífices como mestre e patrono das escolas católicas.

8 – Associado a este zelo em reter e defender a Fé, havia em Domingos uma suprema reverência pela Sé Apostólica. Está escrito que, prostrado aos pés de Inocêncio III, ele fez voto em defesa do Pontificado Romano, e que este mesmo nosso predecessor na noite seguinte o viu em visão sustentar em seu corajoso ombro o pilar vacilante da Basílica de Latrão. A história também conta como, quando estava formando seus primeiros seguidores na perfeição cristã, Domingos pensou em reunir entre leigos piedosos e devotos uma certa milícia sagrada que defenderia os direitos da Igreja e resistiria à heresia com vigor. Daí surgiu a Ordem Terceira dos Dominicanos que, difundindo entre os leigos o instituto de uma vida mais perfeita, seria um verdadeiro ornamento e uma defesa para a Igreja.

9 – Transmitida por seu Pai e Legislador, a herança de tal devoção a esta Sé foi passada aos filhos. Tantas vezes, portanto, como, por causa das mentes apaixonadas dos homens, a Igreja teve que sofrer com movimentos populares ou a tirania dos príncipes, esta Sé Apostólica teve nos dominicanos, defensores da verdade e da justiça, uma ajuda muito oportuna na preservação e honra de sua autoridade. Quem não conhece os feitos gloriosos a esse respeito da Virgem Dominicana, Catarina de Siena? Instada pela caridade de Jesus Cristo, ela convenceu o Romano Pontífice, o que ninguém mais tinha sido capaz de fazer, a retornar à sua Sé Romana após um intervalo de setenta anos. Posteriormente, enquanto a Igreja ocidental era dilacerada por um cisma terrível, ela manteve um grande número de cristãos em leal obediência ao legítimo Pontífice.

10 – E, deixando à parte a consideração de outros fatos gloriosos, não podemos nos furtar de lembrar que quatro grandes Romanos Pontífices vieram das fileiras dominicanas. Destes, o último, São Pio V, ganhou a gratidão eterna do Cristianismo e da sociedade civil. Uniu, depois de esforços incessantes, os braços dos príncipes católicos, e sob o patrocínio da Virgem Mãe de Deus, a quem, por isso, mandou ser saudada no futuro como Auxílio dos Cristãos, destruiu para sempre em Lepanto o poder do turcos.

11 – Nisto se mostra amplamente a terceira qualidade que notamos na pregação dominicana: uma piedade zelosa para com a Mãe de Deus. Diz-se que o Pontífice soube por revelação divina da vitória de Lepanto alcançada naquele mesmo momento em que ao redor do mundo católico as orações piedosas do Santo Rosário imploravam a ajuda de Maria naquela fórmula iniciada pelo Fundador dos Frades Pregadores e difundida em toda parte por seus seguidores. Amando a Santíssima Virgem como uma Mãe, confiando principalmente em seu patrocínio, Domingos começou sua batalha pela fé. Os albigenses, entre outros dogmas, atacavam tanto a maternidade divina quanto a virgindade de Maria. Ele, atacado por eles com todos os insultos, defendendo com todas as suas forças a santidade destes dogmas, invocava a ajuda da própria Virgem Mãe, frequentemente com estas palavras: «Faze-me digno de te louvar, Virgem Sagrada; dá-me força contra teus inimigos». Quão satisfeita estava a Rainha Celestial com seu piedoso servo pode-se facilmente deduzir do fato de que ela se valeu de seu ministério para ensinar o Santíssimo Rosário à Igreja, Esposa de seu Filho; aquela oração que, sendo vocal e mental, na contemplação especialmente dos mistérios da religião, onde o Pai Nosso é repetido quinze vezes junto com outras tantas dezenas da Ave Maria, é a mais apta para promover amplamente a piedade e todas as virtudes. Domingos ordenou a seus seguidores, ao pregar ao povo, que inculcassem frequentemente esta forma de oração, cuja utilidade ele havia experimentado. Ele conhecia, por um lado, que a autoridade de Maria para com seu Filho é tal que, em todas as graças que Ele confere aos homens, é dela sua distribuição e repartição. Por outro lado, Domingos sabia que ela é de uma natureza tão bondosa e misericordiosa que, visto que é seu costume socorrer os miseráveis ​​por conta própria, seria impossível que ela recusasse as petições daqueles que oram a ela. Por isso a Igreja, que costuma saudá-la como “Mãe da Graça e Mãe da Misericórdia”, assim a encontrou sempre, mas sobretudo em resposta ao Rosário. Por isso os Romanos Pontífices não deixaram passar nenhuma ocasião de louvar o Rosário, e o enriqueceram com as Indulgências Apostólicas.é impossível que ela recuse as petições daqueles que oram a ela. Por isso a Igreja, que costuma saudá-la “Mãe da Graça e Mãe da Misericórdia”, assim a encontrou sempre, mas sobretudo em resposta ao Rosário. Por isso os Romanos Pontífices não deixaram passar nenhuma ocasião de louvar o Rosário, e o enriqueceram com as Indulgências Apostólicas.

12 – Ora, os institutos dominicanos, como Vós mesmo entendeis, Veneráveis Irmãos, não são menos oportunos agora do que no tempo de seu Fundador. Quantos hoje, destituídos do pão da vida, isto é, da doutrina celestial, estão, por assim dizer, em um estado de inanição. Quantos, enganados pela aparência da verdade, são desviados da fé por uma variedade de erros. Para que os sacerdotes possam atender adequadamente às necessidades de todos eles pela Palavra de Deus, quão zelosos eles devem ser pela salvação das almas e bem preparados nas ciências divinas. Quantos, também, filhos ingratos e esquecidos da Igreja, afastam-se do Vigário de Jesus Cristo por ignorância dos fatos ou por uma vontade perversa que é necessária conduzir ao seio comum. Para a cura destes e de outros males de todos os gêneros de nosso século, necessitamos da materna proteção de Maria!

13 – Os dominicanos têm, portanto, um campo quase ilimitado para trabalhar pelo bem comum. A todos, portanto, desejamos que nas celebrações deste centenário renovem a devoção ao santo exemplo do seu Fundador e se tornem cada vez mais dignos de tal Pai. Neste sentido, deem uma orientação adequada aos seus filhos da Primeira Ordem, e que sejam cada vez mais zelosos na pregação da Palavra Divina, de modo a dotar aos homens de reverência pelo sucessor de São Pedro e de devoção à Virgem Mãe, e que possam difundir e defender a verdade. Mas dos Terciários Dominicanos, também, a Igreja espera muito, se eles estudarem para se conformar ao espírito de seu patriarca, na instrução dos rudes e não ignorantes na doutrina e moralidade cristãs. Esperamos que sejam assíduos, pois é uma questão de grande importância para o bem das almas. Por fim, desejamos que nisto haja um cuidado especial por parte dos dominicanos: a difusão e o uso frequente do Rosário entre os cristãos. Fazemos esta exortação nestes tempos difíceis, seguindo o nosso predecessor, Leão XIII, e se ela der frutos, esta celebração do centenário não terá sido em vão.

Entretanto, como um auspício dos dons divinos e prova de Nossa benevolência, Nós concedemos a Bênção Apostólica, Veneráveis ​​Irmãos, a Vós, ao vosso clero e ao vosso povo.

Dado em Roma, junto a São Pedro, a 29 de junho, Festa do Príncipe dos Apóstolos, de 1921, sétimo ano do Nosso Pontificado.

BENEDICTUS PP. XV

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Traduzido por Leonardo Brum a partir das versões inglesa, italiana e francesa do texto, presentes no site da Santa Sé <https://www.vatican.va/content/benedict-xv/it/encyclicals.index.html>.