Jackson de Figueiredo
O “Correio da Manhã”, abusando como sempre da nossa tão mal compreendida liberdade de imprensa, classificou há dias, pura e simplesmente, de grandes e pequenos canalhas a todos os bernardistas.
A julgar pela biografia que o diretor do mesmo jornal fez, há poucos anos, do sr. Nilo Peçanha, ainda nós, bernardistas, temos a palma da moralidade.
É bom lembrar sempre que o sr. Artur Bernardes, ainda não foi vítima de maiores infâmias nem de maiores calúnias do que o foi o sr. Nilo Peçanha, por parte daquela folha. Também que eles já valem muito menos, como força destruidora de reputações. O fato de confraternizar, hoje em dia, o sr. Nilo com o seu insultador, como que lhe dando razão às injúrias de outrora, só ao sr. Nilo deprime ― é um caso pessoalíssimo ― mas de modo algum significa que todos os homens de bem, insultados diariamente naquele pelourinho da dignidade pública brasileira, se sintam, ainda agora, presa do terror que ele já inspirou.
Terror, sim, deve causar à mais despretensiosa honestidade, qualquer sinal de carinho das mesmas negras mãos, que têm tentado ferir a honra, o caráter de todos os homens, que o tem demonstrado na atividade política nacional.
Mas esse jornal, afinal de contas, não nos tem, a nós, bernardistas, em tão má conta quanto alardeia. É sabido que abriga à sua sombra um deputado bernardista, e que não terá a coragem de supor que seja dos “menores canalhas” entre os que apoiam o sr. Bernardes. O insultador tão grosseiro quanto imbecil, no caso, da venerável figura de Pio XI, é evidente que tem muito pouco respeito, não só à fé de seu próprio irmão, que é um padre digno, mas à própria fé republicana dos seus eleitores católicos, lá daqueles pobres sertões alagoanos.
Ora, ao seu patrão de imprensa não passará despercebido que, quem de tudo menoscaba, mesmo das coisas mais sérias, só pelos mais mesquinhos interesses serve a quem quer que seja ― ao patrão de jornal como ao patrão politico. De onde se conclui que lhe merece a proteção um dos mais “positiva e demonstradamente” canalhas, de todos nós, os canalhas bernardistas. Não há para onde fugir, ou melhor, não haveria, se, de fato, se o sr. Edmundo estivesse a dizer o que pensa. Mas o diretor do “Correio” não está enganado, ninguém o pode crer. O sr. Edmundo Bittencourt é um indivíduo bastante inteligente e, creio eu que, apesar de todos os seus erros, sabe o que quer dizer caráter. Ter caráter ― isto é, não ser canalha ― nem sempre quer dizer ser bom. Ter caráter é manter-se idêntico a si mesmo em face das mais diversas circunstâncias.
O mais difícil é o primeiro ato que revele essa fisionomia moral, que é preciso conservar sempre, em face seja do que for.
Eu presto de bom grado esta homenagem ao diretor do “Correio”: tenho-o por um homem de caráter. Ele tem sido, desde os seus primeiros anos de vida jornalística, até hoje, o mesmo homem desabusado, voluntarioso, generoso para com os seus servidores, dedicado aos seus amigos pessoais, capaz de todas as violências de linguagem, não vacilando jamais no emprego das piores armas para ferir a quem contrarie os seus interesses ou mesmo os seus caprichos. A calúnia, a injúria, o mais cínico esquecimento das afirmações de um dia antes, o mais valente desprezo pelo bom senso alheio, o mais absoluto descaso da dignidade política daqueles mesmos que o apoiam, tudo isto, e mais um profundo conhecimento do jogo das paixões populares, tem ele posto a serviço da sua indústria de popularidade no Rio de Janeiro, sem um só momento por-se em contradição consigo mesmo. Igual, sempre igual a si próprio ― a sua característica é saber querer, dentro da mais completa ausência de escrúpulos jornalísticos.
Um homem assim sabe o que é ter caráter. O “mal, mas meu” fica bem em seus lábios, e há uma verdade que escrita, parece uma tolice, mas tem, no entanto, uma grande influência na vida íntima de cada homem: que quando se sabe uma coisa, se conhece uma coisa, não há como, no foro interior, negá-la ou desprezá-la. Boa ou má, ela pesará sempre na expressão, mesmo mentirosa, do nosso juízo.
Desta forma, o diretor do “Correio da Manhã”, não poderá escurecer nunca, ante a sua própria consciência, que em toda esta campanha não foi acompanhado por quem se pudesse ganhar de representar a parte do caráter.
A história do niilismo, de farda ou sem ela, só pode ter uma única relação com o que se chama identidade, e esta será a mais paradoxal que se possa imaginar: a de uma permanente, absoluta negação de cada uma das próprias atitudes, mal consentindo que se desenhem definitivamente no toldado horizonte das suas assanhadas ambições.
O sr. Nilo, quantas horas se permitiu no gozo dos vivas ao sr. Bernardes, quantas sofreu em vigílias cívicas, quantas em que apelou para o eleitorado, quantas as que gastou com Oldemar e o super-Clube para chegar ao Tribunal de Honra e, por fim, sua proclamação revolucionária, de ontem, tão interessante como peça poética?
Tantas mudanças, quando não levam ao hospício ou coisa pior, a que conclusão é que levam?
Os mais que famosos diretores da nossa Light & Power política ― os homens que representaram, neste período, o Poder dos poderes, os donos do Brasil… de ontem, os senhores diretores do Clube Militar ― arre! ― quantas vezes tiveram também uma opinião “definitiva” sobre a atitude a assumir diante da Nação?
E a própria revolução, poderá negar, o sr. Edmundo, que ela, a salvadora, acabará por não salvar coisa alguma, e nem a si mesma do ridículo em que já caiu? E porque?
Porque não há quem a reconheça amanhã, se a vê hoje, apesar de sempre dependurada às mesmas colunas dos mesmíssimos jornais.
Diante desse fregolismo todo, dentro do qual só o sr. Edmundo se mantém coerente com o seu velho lema de ― “tudo serve” ― que tem visto o diretor do “Correio”?
Ligados, uns, por interesses ― e quem não os tem? ― outros, pela revolta contra a injustiça, outros por amor da ordem e da disciplina social ― a grande maioria dos homens mais responsáveis pela República, manter-se firme, coesa, inabalável, em derredor daquele que escolheu e a nação há eleito, opondo do modo mais sereno e mais enérgico, a todas as investidas do sofisma ou da brutalidade, um decisivo NÃO, que é assim que, em todos os tempos, o bem responde ao mal, a verdade à mentira, o direito às ambições vulgares.
Está ou não está do lado do bernardismo, isto é, dos amigos da ordem, aquela necessária identidade, que revela o caráter?
Bom ou mal este caráter? Isto é outra questão.
Quem quiser apreciá-la tem que fazer outras observações, tem que estudar a história destes últimos vinte anos da República, indagar dela se alguma vez, por exemplo, já se encontrou o “Correio da Manhã” ao lado de alguma causa justa, de alguma causa que não fosse a da desordem e do respeito das nossas leis, e, se no caso de ter mesmo alguma vez se irmanado a outra, que não esta, se durou muito que não a transformasse em tumulto de paixões inferiores, que lhe não inoculasse o veneno demagógico e revolucionário, de que se sustenta o seu Mitridates, vencedor de alguns marechais… e da Gráfica, mas não ainda do Brasil todo inteiro, como vêm de provar as eleições de março e o Congresso, anteontem.
O Jornal, 11 de Junho de 1922.