Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Pesando as pimentas do velho mestre

Jackson de Figueiredo

Sr. Conde de Laet: 

Já que o meu velho Mestre se permite comigo o prazer das chalaças mais indiscretamente rabelaiseanas, ia apressando-me, não só pela fúria de que me tomei, mas também pelo respeito que lhe devo, a dar-lhe troco miúdo, bem o sei, mas, enfim, o que tinha. 

Ia escrever um artigo, a meu ver retumbante, desde o título: “AO JAHU’ DO CÍRCULO CATÓLICO”, artigo em que procuraria demonstrar que essa nobre instituição está a servir de Porto Praia a quem não levantará mais voo por mais pimenta que lhe cheguem à hélice. 

Veja o velho Mestre o que é a raiva, o desespero, o desapontamento de quem se mete a lutar com o príncipe do jornalismo brasileiro. Aliás, não sei se ainda digo bem dizendo príncipe, de quem agora se revela tão ardoroso democrata. Mas fica a emenda: com o Isidoro da imprensa brasileira. 

A atividade do Sr. Conde é também, visivelmente, como a daquele herói revolucionário, uma atividade de reformado… 

Seja como for, confesso que não fiz o tal artigo porque me caiu a alma aos pés desde que fui forçado a reler o que tinha a responder-lhe. 

Não, não pode haver nada mais triste que certos fins de vida. 

Pois então, caro Conde, dos seus moles beiços de satírico octogenário ainda caem chalaças desta ordem? Acha o ilustre titular que é deveras responder-me o chamar-me de Eunuco (pesou bem a palavra?) do sultão Arthur Bernardes e aos jornalistas desta Capital, um bando de odaliscas? 

Oh! Homem de Deus, tenha um pouco de paciência, isto é positivamente demais. 

Eu não quero fazer a defesa dos que lidam na imprensa do Rio, mas deixe que ao menos estranhe a sua última pretensão… Pois será possível que ainda, aos oitenta anos, o Sr. Conde tenha aspirações desta espécie, ainda deseje ser considerado uma odalisca? 

Repito, velho Mestre, tenha um pouco de paciência, mas é positivamente demais. 

O velho Conde de Laet, mesmo após os seus recentes esforços para conquistar uma tardia fama de cordeirinho liberal, ainda é um homem de aspecto venerável, a quem não ficam bem esses esgares, esses babosos esgares, e esses gamenhices, e esses saracoteios de quem, fugindo, quer parecer que está dançando… 

Escute, porém, meu velho Conde: ou a sua memória está completamente estragada, ou o que está a perder são coisas ainda mais dignas da atenção de um homem que crê em Jesus Cristo. Mas, dada a incerteza, permita que faça aqui mais uma revista de tudo quanto nos interessa nesta agradável discussão. 

Em primeiro lugar, meu velho, é em balde querer impor o seu estafadíssimo “clichê” de que o seu adversário já está irritado, de que ele vai desesperar etc. 

Não, comigo, seja ou não de despedida o seu último artigo, pode ficar certo (e creio mesmo que está bem convicto disto) pode ficar certo de que não o deixarei sair assim, à francesa do campo a que me arrastou. Não terá, a sua incrível vaidade, esta satisfação. 

E faça, pois, o Sr. Conde, todo o possível para ter bem em mente os seguintes pontos, principalíssimos na nossa troca de amabilidades: 

1º — Foi o velho Conde quem primeiro injuriou. Injuriou-me, mais de uma vez, se bem que com manifesta covardia, sem ter jamais a coragem de dizer, não o que pensava, mas o que desejava dizer. Só depois que me vi, assim, visado muitas vezes, é que saí a rebater-lhe a estragada prosápia. Esta é que é a pura verdade, e que é preciso ficar bem lembrada sempre, pois eu, pelo menos, como católico, faço disto absoluta questão. Quem esquecer que o primeiro injuriado fui eu, não pode julgar-nos. Mas é só me pedir provas, que eu as darei. 

2º — Foi atacando ao Sr. Artur Bernardes que o velho Mestre achou de bom aviso arriscar contra mim também muitas das suas picuinhas e algumas das suas modorrentas maldades. 

Pois bem: forçado a defender-me, julguei que devia aproveitar a oportunidade para defender também o ex-presidente da injúrias e insídias que mais insinceramente o afrontavam. 

Esta defesa, eu a fiz com facilidade, e posso rememorá-la, nas suas linhas gerais, e na ordem em que foi feita: 

1º — O Conde de Laet, mentindo a evidência dos fatos, mentindo a evidência dos fatos, perguntava, com o ar mais hipócrita deste mundo: — “Onde estão os defensores do tirano Artur Bernardes, que assim se sumiram, desde que ele deixou o Catete?” 

Que fiz então, Sr. Conde? Tornei a evidência ainda mais evidente, se é que se pode falar assim. Disse ao ouvido do Conde cego de paixão: 

Os defensores do Sr. Bernardes, só não os vê quem não quer ou não pode ver. Leia o Sr. Conde “A Notícia”, “O País”, a “Gazeta de Notícias”, etc. 

E que respondeu a isso o velho Mestre? Nada, absolutamente nada. 

Fez uma gracinha, e passou adiante. 

2º — Provei depois à saciedade, com textos, com documentos, que o Sr. Conde de Laet é o homem a quem cabe menos autoridade para atacar o governo Bernardes, pelas razões seguintes: a) Porque o Sr. Conde de Laet não só, doutrinariamente, defendeu, no governo Hermes, a política da reação legal a outrance (defendendo a pena de morte para os crimes políticos, o desrespeito às imunidades parlamentares durante o sítio etc.) mas justificou também, no decorrer daquele mesmo governo, atos isolados, de extrema violência, tais como o bombardeio da Bahia, os fuzilamentos do satélite, e isto com a mesma galhardia (lembro agora) com que já defendera os responsáveis pela Primavera de Sangue, no Rio de Janeiro. b) Porque, até o dia em que o Sr. Artur Bernardes o demitiu do cargo de Diretor do Pedro II, o Sr. Conde de Laet não só o serviu gostosamente, como o louvou do modo mais sentencioso e edificante. 

Eis aqui, como, em artigo anterior, demonstrei quanto estava seguro desta parte da minha argumentação: “Lembre-se — disse-lhe eu — lembre-se o Mestre do seguinte? 

Já o Sr. Artur Bernardes tinha feito as intervenções no Estado do Rio e na Bahia; já o Sr. Barbosa Lima tinha sido, a muque bernadesco, eleito senador; já o seu simpático Sr. Irineu Machado se vira “despojado do seu direito pelo capricho ditatorial”; já as prisões regurgitavam; já para Clevelândia se aprestavam os navios fantasmas; já o “Correio da Manhã” estava fechado, e o atual acusador do Sr. Artur Bernardes, o nobre Conde de Laet, Diretor do Pedro II, muito bem com a sua consciência e com todo o mundo, exceto com os revolucionários, não só fazia discurso no Círculo Católico em favor do governo, como dava à “Novíssima”, excelente revista de então, a entrevista que, logo após, isto é, a 30 de setembro de 1924, era transcrita por “A Notícia” desta capital, de onde copio este pequeno trecho ´bastante significativo: 

Pergunta-lhe o repórter: 

“Acha, então, que devemos ser legalistas? 

E eis a palavra florida do amável remanescente do Império, como lhe chama “A Notícia”: “Tal qual. O respeito à ordem constituída não é somente um dever cívico. É uma garantia da nossa comodidade. Demais, eu não morro de amores pela República, acho que o governo que aí está é ajuizado. Vai conduzindo os negócios públicos com as cautelas que o momento exige. Tem demonstrado bons intuitos e vai fazendo o que pode para a reconstrução econômica do país e para o consequente saneamento do crédito nacional”. 

Que respondeu o Sr. Conde ao que ali fica transcrito? Nada ou quase nada, para ser justo. O Sr. Conde teve a coragem de vir a público dizer que o argumento ad hominem não era argumento legítimo numa discussão desta ordem — o Sr. Conde, isto é, o homem que nunca usou de outro, em todas as suas campanhas políticas contra os seus mais conhecidos adversários: Ruy Barbosa, Medeiros e Albuquerque etc. 

Eis até que altura conseguiu o velho Mestre sustentar uma polêmica que irritante, injusta e gratuitamente provocou. 

Daí em diante, o Sr. Conde não teve mais recursos que os da chalaça mais balofa e, algumas vezes, a mais indigna da pena de quem devera ser exemplo de sensatez e austeridade. 

E se lhe estranho os modos, exagera-os o velho Mestre, e me acoima de macambúzio? 

Pois se engana, velho Mestre, engana-se redondamente. 

Amo também a alegria, amo as coisas alegres. Sou, quando muito, um temperamento desigual, sujeito a grandes tristezas e a alegrias não menores. 

Como vê, estou a falar-lhe com franqueza. E porque negar que há certas coisas que me entristecem, se no mundo há realmente tantas coisas tristes? 

Entristeço-me, de fato, diante do que é triste, assim, por exemplo, diante de um pobre velho, como um que estou a ver de tempos para cá, a esforçar-se de todos os modos para alcançar palmas de malabarista e dançarino político, dementado, visivelmente dementado por um indomável despeito. 

Que posso contra mim, em face de fatos como este? Não posso esconder a minha melancolia ante uma ruína que vai perdendo até a majestade que é própria das ruínas do que foi grande e verdadeiramente digno de admiração… 

O Sr. Conde acha que devo, pelo contrário, rir gostosamente ante as truanices, ante as tristes palhaçadas do velho a que me refiro? 

Pois persisto na ideia de que seria pouco, muito pouco cristã, uma tal atitude, e prefiro catar o que ainda há de discutível no seu último artigo. 

Recordemo-lo, pois: 

Diz o Sr. Conde que sou ingrato com o Sr. Artur Bernardes, porque ele não me “inventou” deputado ou presidente de Sergipe. Infelizmente a evidência do caso não permite discussão. O velho Mestre mesmo tem tido a prova da minha ingratidão para com o Sr. Artur Bernardes… 

Quanto ao fato de ter eu aspirado a um lugar na representação de Sergipe, confesso que isto é verdade. Já o aspirava antes do Sr. Bernardes ser presidente da República, o que quer dizer que milito na política de meu Estado natal há muitos anos, o que não ousará negar nenhum homem de bem e nenhum canalha dos que acaso tenham sido ajudados pelo ex-presidente. 

Confesse agora o velho Mestre, com a mesma tranquilidade, o motivo porque passou a odiar o Sr. Artur Bernardes; tenha a coragem de historiar publicamente o que foi a sua saída do Pedro II. 

Porque não o faz? 

E, depois disto, Sr. Conde, fico até a duvidar se alguma coisa ainda merece resposta, do seu último artigo. 

O velho Mestre diz, ainda, por exemplo, que se fosse a Ordem (a ordem pública, social etc.), não me queria para defensor. Momices, caturrices de velho que não tem o que dizer. 

Quando fui comissionado, alguns anos atrás, pelo Círculo Católico, para fazer o elogio do eminente reacionário, ainda me lembra a comoção com que lhe ouvi as palavras de agradecimento. Agradecia o elogio; não agradeceria uma defesa? Demais, eu ainda guardo outras palavras do Sr. Conde de Laet, que foram por muito tempo orgulho da minha mocidade. Mas hoje, ao que vejo, a memória do velho Mestre só tem viva, gravada a fogo, a figura juvenil do Sr. Rocha Vaz… É o que ele vê exagerada, centuplicadamente, de todos os modos a dominar-lhe, em absoluto, o horizonte espiritual: a robusta figura do homem truculento que ousou pô-lo fora do Pedro II. 

Tanto Bernardes como eu somos, afinal, simples vítimas dessa obsessão. 

O Sr. Laet não se lembra de mais nada, está esquecido de tudo e até como já disse, do respeito que deve a si mesmo. 

É só por isto, unicamente por isto, que não poupou, neste seu último artigo, nem mesmo “A Ordem”, este, uma humilde revista que dirijo como presidente que sou do Centro D. Vital. 

Pois vamos lá, querido Mestre, discutamos também este ponto: 

Figuremos que “A Ordem” não obteve mesmo o menor sucesso no meio brasileiro. 

Pois, então, Sr. Conde, é doutrina católica a que julga boa ou má uma coisa, conforme o êxito que essa coisa alcança? Sabe o Sr. Conde que não é. 

Mas no caso da ‘A Ordem” há também exagero. Poderia dar-lhe provas, em número surpreendente (e dá-las-ei se me pedir), do quanto ela tem conquistado, não só no meio católico propriamente, mas também em outros meios intelectuais do Brasil e até do estrangeiro. 

Para dizer o que ela vale, aos olhos de quem tem maior autoridade para ajuizar dos seus serviços, bastar-me-ia dizer o quanto tem sido ajudada pelo Sr. D. Sebastião Leme e transcrever aqui o que o nosso grande Arcebispo já disse dela publicamente. 

E “A Ordem” ainda está viva, Sr, Conde de Laet. Se o velo Mestre não a lê, é porque não quer ou não pode. E agora pergunto-lhe eu: Onde param, a esta hora, as revistas, os jornais fundados ou ajudados pelo Conde de Laet? Que sucesso obtiveram? Será que, todos, eram dignos do esquecimento em que caíram? Não foi ao velho Conde que, injustamente, aliás, já chamaram de “raté”? 

E que respondeu o velho Mestre a uma tal imbecilidade? 

Mas se o Sr. Conde julga que ainda não me defendi cabalmente, quanto a este suposto insucesso da “A Ordem”, devo dizer que ainda posso valer-me de mais alguns meios de defesa, por via de comparação. 

Assim, note o velho Mestre, que “A Ordem” é uma revista que eu fundei, que me pertence, da qual não tenho que prestar contas a ninguém. 

Ousará dizer o mesmo o Sr. Conde de Laet a respeito do Círculo Católico? 

E a que está reduzida essa nobre instituição, há tantos anos dirigida pelo Sr. Conde? 

Todo o mundo sabe que o Sr. Conde de Laet, pelo seu passado de defensor da Igreja, merece o respeitoso silêncio em que as Autoridades Eclesiásticas têm envolvido a evidente e deplorável decadência da mais bela e mais útil das nossas instituições católicas, e não seria eu quem o perturbaria, a esse silêncio, se não fosse a insídia com que o Sr. Conde ousa atacar uma obra também recomendada pela mais alta Autoridade desta Arquidiocese e por muitos outros Príncipes da Igreja Brasileira. 

E tudo isto porque o Sr. Rocha Vaz não quis talvez sujeitar o Pedro II às mesmas provações porque vai passando o Círculo Católico… 

Até eu e “A Ordem” temos que pagar as custas daquele forçado transporte de bagagens. 

Mas há ainda no artigo do Sr. Conde uma frase que merece o meu reparo. 

Fala o Sr. Conde no Sr. Peixoto Fortuna… Que quer insinuar? 

“A Ordem” tem sido ajudada, como já disse, pelo Sr. D. Sebastião Leme, mas de modo que honra aos diretores do Centro D. Vital e desta revista. 

O Sr. Peixoto Fortuna, porém, a que é chamado, esse ilustre cidadão, a quem não tenho, infelizmente, a honra de conhecer? 

Meu velho Conde: tome cuidado com a língua. Não a deixe assim, pastosa mas sempre viperina, tanto à mostra. Lembre-se o velho Mestre que não lhe será tão fácil dizer que não conhece, como eu, o Sr. Peixoto Fortuna. Talvez ele tenha sido mesmo o construtor desse remanso da rua Rodrigo Silva, aonde, para edificação da mocidade católica, o Sr. Conde de Laet ocupa todas as tardes uma cadeira, e mais: a atenção dessa mesma mocidade com anedotas e historietas tão a seu gosto… e tão inadequadas, às vezes, à dupla respeitabilidade, do lugar e do narrador. 

Estarei faltando à verdade? 

O Sr. Conde nada mais tem a fazer que adiar um pouco a sua despedida, e sair de novo a rebater-me. 

Mas venha com a disposição de lutar muito, porque os homens que não gostam de provocar polêmicas inúteis e costumam respeitar os seus amigos, até o dia em que estes mesmos se desrespeitam, costumam também ser teimosos e persistentes… 

Dizem, meu velho Mestre, ou melhor, diz o povo que nódoa de caju só dura uma estação… Não sei se dura mais. Sei é que, das tiranias que o velho Mestre outrora combateu, ainda persiste a pior delas, que é a da imprensa. Ela é impiedosa, é cruel até com aqueles que a encarnam. Assim, não há coisa mais dolorosa que a consciência duma vaidade. E todos nós, os homens de imprensa, temos mais ou menos consciência de que somos vítimas da nossa própria vaidade. É preciso ter muita fé em Deus, para sustar, às vezes, a palavra de fel, a injúria que visivelmente cairá no gosto do público, a boa piada que ofende sem dar aso a processo. O Sr. Conde de Laet sabe disto. Mas, se o sabe, deve poupar a sua ancianidade esses saltos no escuro dos personalismos insidiosos e ofensivos. 

Se ainda pode discutir, discuta a sério, e até lhe digo que só discuta com quem lhe dá mostras de respeito e consideração. Foi amparando-me a elas que ousei rebater-lhe, primeiramente, as veladas injúrias, que tentavam alcançar até a minha honestidade pessoal. 

O Sr. Conde achou mais agradável vestir-se de palhaço para mais facilmente esconder a impossibilidade que está de responder aos argumentos de que usei para provar a sua falta de autoridade como acusador do Sr. Artur Bernardes. 

Mas foi além: de dentro do traje grotesco, de envolta com o ruído dos guizos, a sua palavra tem ousado muito mais do que fora de esperar. 

A resposta aqui fica, a mais branda que, no momento, me é possível lhe dar. 

Se pedir outras, tenho fé em Deus que jamais o ofenderei com o meu silêncio.

Gazeta de Notícias, 23 de fevereiro de 1927