Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Um pouco de lógica revolucionária

Jackson de Figueiredo

Ser liberal no Brasil, é, antes de tudo, confundir as suas próprias paixões com os interesses do povo e daí, consequentemente, se se está com o governo achar divino, providencial, tudo quanto o governo faz; se não se está com o governo: não é somente julgar infames todos os seus atos, mas ainda apelar sempre e sempre para os processos mais rápidos no sentido de destruí-lo e daí, por sua vez, a apologia mais ou menos disfarçada da anarquia e da revolução. 

Atente-se na história destes últimos anos de vida política nacional, e há de que um homem de boa fé chocar-se de verdade. 

O Sr. Arthur Bernardes, por exemplo, foi apontado — e ainda é tido nesta conta — como o tipo perfeito, acabado, do reacionário, do vingativo, do odiento. Pois bem: pode-se dizer, sem medo de errar, que o governo de reação que esse homem foi, de fato, forçado a fazer, caracterizou-se pelo respeito da lei, o que já é uma prova de pouca simpatia ao arbitrário, ao pessoal, à própria paixão política. 

Não se quer dizer com isto nem que o Sr. Bernardes não tenha cometido graves erros e grandes injustiças, nem que ao seu temperamento não agradem os revides políticos mais duros e mais cruéis. O que se afirma é que, político acima de tudo, o Sr. Bernardes jamais perdeu de vista o elemento moral da lei, em todo o desenvolvimento da luta. Mesmo os seus atos mais evidentemente pessoais, ele procurou revesti-los de legalidade, deu-lhes uma fisionomia jurídica, apôs-lhes um selo mais ou menos reconhecível de respeitabilidade governamental. Assim, a intervenção no Estado do Rio, assim a sua ação política no Rio Grande do Sul, o maior de todos os seus erros, assim a sua intervenção na Bahia, de funestas consequências, na vida moral coletiva do norte do país, apesar dos erros, não menores, e então cometidos pelos seus adversários. 

Esta é que é a verdade pura, e ainda ficando em favor do Sr. Arthur Bernardes este dado irredutível de moral política, senão de imperativo dever patriótico: ele precisava fortalecer o poder central, tinha obrigação de zelar pela ordem pública, e não seria senão um lastimável metafísico, em tais domínios, se tivesse escrúpulos em arrancar armas de mãos que não tinham tido escrúpulo de qualquer espécie quando as puderam usar em plena liberdade. 

Entretanto, uma coisa impressiona: o Sr. Arthur Bernardes, visado por tantos ódios, vítima de tantas calúnias, jamais falou dos seus inimigos senão como chefe de Estado, jamais teve uma palavra de ódio pessoal para com todos eles, julgando-os sempre, de público, como inimigos da Nação, o que era o seu direito. E ninguém negará a força que teria uma palavra sua, animadora de rancores e crueldades, em certos momentos de luta. 

Procure-se, porém, refazer a crônica do nosso chamado liberalismo nestes últimos cinco anos… Trata-se de coisas gerais, a Liberdade, o Direito, a Justiça, a Paz, com as suas respectivas maiúsculas, e os liberais do país são todos como os mais degenerados personagens de Dostoiévski, uns entusiastas, uns frenéticos e indomáveis entusiastas. Eles são o carinho vivo, a doçura personificada em relação a tudo quanto é abstração, a tudo quanto está para além da realidade dos fatos. 

Ouça-se, no entanto, o que dizem, atente-se no que pedem neste domínio dos fatos. Não há mais que um perpétuo sibilar de insídias, de insinuações malévolas, cortado, não raro, aqui e ali, por explosões de ódio tremendo, positivo, perfeitamente personificado, e os rugidos de uma impotência dolorosa. Não quero citar nomes nem relembrar fatos. Eles estão na memória de todos, amigos e inimigos do ex-presidente. Não é preciso mais que um momento de calma, de reflexão, de desejo de ser justo, para se reconhecer que estou dizendo verdadeiríssimas verdades. 

Mas, se assim é, que é que ainda esperam os nossos homens de governo? “A democracia é a inveja”, pôde dizer quem a conhecia de perto. É o Brasil uma democracia ou uma tentativa democrática viável? Que pode produzir a inveja? É ilusão o nosso democratismo, puro amor de palavras? Mas, então, que importância pode ter uma opinião argamassada, assim, em ilusão e mentira? 

De uma coisa estamos certos, porém, democratas e antidemocratas: é que o Brasil precisa de governo, precisa de uma força central, interior, capaz de mover harmonicamente todas as suas energias, repelindo e destruindo, ao mesmo tempo, tudo quanto se oponha a essa harmonia. Logo: a maior preocupação que deve ter um homem de Estado, no Brasil desta hora, é fortalecer o Poder, e tornar evidente que vela sobre o país uma verdadeira autoridade. 

Ora, toda a filosofia política se resume facilmente nestas palavras: << la première condition du pouvoir est de pouvoir>>. — Era o que dizia José de Maistre, mas sempre o disse o bom senso, também, acrescenta Eugenio Loudun. 

Pois, no Brasil, não é o povo quem dá mostras de não compreender esta simples verdade. Pelo contrário. De bom ou de mau grado, uma coisa se verifica em toda a história do povo brasileiro: a aceitação de toda a autoridade, mesmo das de caráter mais duvidoso, como foram, por exemplo, as primeiras fornecidas pelo regime republicano. 

Mas, se, do seio da massa popular, duas correntes se originam, contrárias, opostas e sempre em luta — a que pugna pelo fortalecimento da autoridade, e a que tudo faz para diminuí-la e aniquilá-la, só a má fé poderá afirmar que tem sido a primeira a mais prejudicial aos interesses populares. 

Poderá, pois, ainda pairar dúvida sobre a consciência dos homens, que, neste momento, representam, entre nós, a vitória da autoridade, a vitória do elemento conservador? 

Nunca um país pediu mais do que o Brasil uma autoridade forte e perfeitamente adequada aos supremos fins de todo poder, que são os do estabelecimento e conservação da ordem e da paz, sendo os próprios revolucionários os que nos dão o melhor testemunho em favor do que dizemos. Dos mil programas ou esboço de programa que apresentaram, desde o começo da luta, só uma coisa se fez sempre compreensível e apareceu subscrita por todos: a necessidade de um governo forte, governo de militar ou ditadura pura e simples. 

Que pode o governo da República fazer, pois, de mais ao gosto desses regeneradores? 

A lógica do bom senso creio que não aconselha outra coisa: dar-lhes um governo forte, capaz de impor o respeito da autoridade, a todos bons e maus, sensatos e loucos. 

Porque, para todos, uma autoridade que sabe ser autoridade tem recursos naturais e adequados, e os menos cruéis que se conhecem, desde que o mundo é mundo. 

Os governos fracos, estes, sim, são sempre como um sinal do céu, de que o dilúvio não vem longe. 

Gazeta de Notícias, 22 de dezembro de 1926