Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Perigosa Cegueira

O que admira é haver quem sincera, convictamente, ainda fale de “dolorosa, apavorante expectativa”. E por quê? Porque da decisão do Clube Militar pode resultar até a revolução… Até a revolução! Isto é que é assombroso, o conceito de revolução que implicitamente se contêm na revelação desse temor… Como se revolução fosse somente o tiroteio nas ruas ou mesmo uma simples passeata militar, do seio dos quartéis ao pedestal do poder público constituído! Não, a revolução tem outros, muitos outros aspectos, só aparentemente menos violentos, e é em plena revolução que nós estamos.

Quando, numa dada sociedade, todos sentem que o seu destino está entregue às decisões da força e não da autoridade, quando ao respeito da lei se substitui a expectativa do que decidirá a espada, a revolução já é um fato, a revolução não está por fazer-se; vai, pelo contrário, à medida que demora a explosão da sua natural brutalidade, fazendo-se mais forte, mais profunda, criando raízes mais resistentes, tornando-se, por conseguinte, mais difícil de ser dominada.

Não há, assim, nenhuma dolorosa expectativa para o Brasil republicano. Há a revolução atual, bem patente, bem senhora de si, cavando fundo a ruína de um estado social que parecia ir conseguindo solidificar-se, apesar de todas as falhas e absurdos, resultantes do insensato apriorismo dos seus criadores. A ilusão do otimista, o sofisma dos que buscam vantagens na confusão mesma que estabelecem, não podem enganar nenhuma consciência, que seja realmente uma consciência, e não uma simples registradora de palavrões desse bastardo liberalismo, que tem sido a nossa desgraça.

Pouco importa saber, em verdade, o que decidirá o Clube Militar, em favor ou contra o sr. Arthur Bernardes.

Favorável ou desfavorável ao candidato da Convenção, o certo é que a sentença dessa agremiação de militares será a confirmação de que estamos em pleno período revolucionário, uma prova somente mais positiva da solução de continuidade que vem de se revelar na vida política constitucional do Brasil.

E será mesmo a máxima vergonha da nossa história se, mais uma vez, tivermos o espetáculo de uma revolução vitoriosa, sem que haja resistência da parte daqueles que representam a lei, como se o espírito de autoridade fosse, de fato, uma coisa inteiramente infensa à consciência nacional.

É neste ponto que o sr. Epitácio Pessoa se afigura a muita gente, a mim próprio, como um homem providencial, neste momento, pois tudo em sua vida, até hoje, faz crer que se não deixará dominar com facilidade pelas ameaças de um caudilhismo de nova espécie, isto é, um caudilhismo em que não há um só chefe ostensivo, merecedor, pelo menos dessa admiração que o povo, às vezes, dedica inconscientemente aos que personificam os seus rudes inslinctos de desordem e destruição. E é de crer que, se até agora não reagiu com mais vigor o chefe do Executivo, é somente porque também s. ex. tem da revolução o mesmo conceito, que vimos de combater. Ou talvez apraz às suas vaidades de homem destemido… brincar com fogo, o que é para lastimar sinceramente.

Analise com frieza o sr. Epitácio – se é que lhe é possível – os principais aspectos da questão política desta hora, e veja se pode baixar mais um povo, do ponto de vista da sua cidadania.

De um lado, temos um grupo de homens armados pela reação, e que se julga no direito de sobrepor a sua dignidade à dignidade da nação mesma, da nação que, a não ser dominada pela força, não poderá nunca reconhecer, em tal agrupamento, nenhuma característica dos três poderes, que constituiu para seu governo e execução da sua vontade; do outro lado, um homem, a quem as forças políticas organizadas do país deram o direito de candidatar-se, ante o povo, à suprema magistratura, e que, no entanto, a desorientação ou a covardia dos seus mais responsáveis defensores políticos sujeitou ao julgamento desse mesmo tribunal, criado pelo arbítrio e a ambição, antes ameaçador que cumpridor das leis que legitimamente nos governam.

A que está reduzido o bom senso da nossa coletividade?

A que se reduz a dignidade dos que mais diretamente representam a força das nossas leis?

A que está, sobretudo, reduzido o respeito da autoridade, não só o respeito que se deve ter à autoridade, mas o que esta deve a si própria?

Que é que nos resta ver na sociedade brasileira, se já vimos posta em dúvida, não só a palavra dos seus mais eminentes representantes políticos, mas até a do próprio Presidente da República, numa questão em que toda dúvida só se pode basear na palavra de um malandrim às voltas com a polícia?

Se tudo isto não constitui prova bastante de que estamos atravessando um momento caracteristicamente revolucionário, então escapa o Brasil ao quadro histórico de todas as nações do mundo civilizado, porque não há aqui noção mesmo do que seja ordem social, nem se pode definir o que chamamos autoridade.

Estará este grande povo, quanto à sua consciência política, em plano mais ou menos elevado que aquele sobre que se desenvolveu a dos demais povos ocidentais, talvez mesmo numa dessas camadas de espaço, de que só os teosofistas têm conhecimento…

Jackson de Figueiredo

18/12/1921