Faz nojo, realmente, a quem quer que, sendo brasileiro, tenha uma grama de bom senso e um pingo de vergonha, confessar que a política nacional, durante meses, tem tido como astro regulador das suas marés de entusiasmo ou de angústia, a consciência (?) de um profissional de “chantagem”… Porque avultou de tal modo a infame atuação desse indivíduo em todo este agitado período de nossa existência política, que nem só ao cronista do efêmero cotidiano cabe agora registrá-la: amanhã, também terá o historiador que se referir a esse inominável acontecimento e, quem sabe, servir-se dele para caracterizar a degradação dos nossos costumes, da nossa moral pública, ao encerrarmos o primeiro século de vida independente.
E como não causar espanto, como não gravar-se na memória de todos os que mourejam na mediocridade, esse fato de todo em todo inesperado – que as múltiplas “revelações” do nojento mistério vem cada vez mais acentuado – isto é , que homens da mais alta responsabilidade em nossa vida pública mantenham relações, as mais amistosas, com falsários dá mais baixa espécie, com eles troquem ideias, debatam planos políticos, examinem possibilidades?
Mas então até onde já descemos, santo Deus? E será mesmo possível levantar-se o Brasil de tão profunda, de tão monstruosa desmoralização? Surge ou não a dúvida, e com insofismáveis direitos, diante de fatos desta natureza? O que se nos patenteia, de há meses para cá, nos mais altos domínios da nossa engrenagem social, é ou não é o cúmulo do ridículo , é ou não também a manifestação, em ondas revolucionarias, dos insondáveis e desconhecidos golfões de maldade, de improbidade, de infâmia, de sem-vergonhismo, que já há cavado, no solo da nossa sociedade, o esforço descristianizador dos nossos dirigentes?
Um caso como esse das cartas atribuídas ao Sr. Arthur Bernardes, num meio qualquer, por menos que fosse, um pouco mais são do que o nosso acaba de revelar-se, não poderia, de forma alguma, alimentar a ambição do mais repudiado dos homens quanto mais de uma classe, de uma corrente política, de um partido, maximé de um partido que ousasse apresentar-se como regenerador fosse do que fosse.
O que, imediatamente, impõe o simples bom senso aqui, mesmo ante a hipótese de serem autênticas, estas cartas, documentos de caráter íntimo, e ainda por cima roubados, não poderiam nunca servir de argumento pró ou contra o seu autor, numa discussão pública.
Mas agravando a miserável atitude dos que as exploram, há ainda, no caso presente, a reincidência, por parte dos exploradores, nos mesmos atos de despudor social, de falta de cavalheirismo: nego, publicamente, o acusado que fosse autor de tais infâmias e, publicamente ainda, disse o contrário do que estas cartas continham contra uma dada classe de homens.
Quem, que não fosse da igrejinha dos puritanos do quero porque quero, se não daria por bastante desagravado? quem se não sentiria perfeitamente dominador dos seus mais delicados escrúpulos?
Entretanto – e nem me refiro aos políticos e jornalistas da “troupe” de falsificadores – Entretanto não houve uma só manifestação desse cavalheirismo e desse pudor, tão próprio de militares, em todos os atos do grupilho que, na direção do Club Militar disse representar as nossas (ilegível), o que elas têm de mais nobre, de mais puro, demais amantes do Brasil
Isto é também um cúmulo, e, desta vez, da irrisão, ou melhor, uma vez mais, da objetivação violenta da (ilegível) pretensão Hipócrita e subterrânea que caracteriza o nosso Tal como aqui já temos assinalado ponto é a tutela da ordem civil ou menos preso pelo “paisano” Nada mais, felizmente já agora limitado à agressividade de meia dúzia de derradeiras ilusões do positivoidismo de espada e botas, ligada sabe lá Deus porquê à eterna meia dúzia de exploradores e ambiciosos, que (trecho ilegível) em todas as classes, por (trecho ilegível). Formado por essa gente o ambiente (trecho ilegível), foi natural que muitas criaturas de boa fé não vissem o que verdadeiramente se agitava e queria, e se deixassem assustar pela onda da ignóbil aventura.
Nestes últimos dias, tudo leva a crer, porém, que entre o exército, propriamente, e os guiões daquela escura hora da sua vida, se arrastar pela onda da ignóbil (trecho ininteligível) Deve ter travado um tanto mais terrível quanto mais silenciosa luta de dignidade…
Como, ao Exército, poderão eles explicar, com os dados da mesma exatíssima, absolutíssima ciência, de que se serviram a existência de cartas idênticas às atribuídas Sr. Bernardes, e assinadas pelo Sr. Nilo, o Sr. Seabra? O que diz o assombroso genial (trecho ilegível), o indefectível Silvado, aquele segredo o grande fetiche nesta parte tão positiva de uma questão, até ontem tão metafísica?
Como, de agora em diante, disfarçar a ambição caudilhescas, a vaidade militarista e continuar a querer salvar o país (trecho ilegível), Que é muito possível mesmo fabricar, um por semana, dezenas de monstros iguais, e com a simples ajuda de um falsário e a boa vontade dos que com ele negociam?
Divorciados como já estavam a alguns anos, os novos melhores elementos do exército, da ridícula mania positivista, a verdade é que não havia da parte da maioria dos nossos oficiais desejo de voltar às tropelias do chamado período de consolidação da República, e só mesmo um excesso de boa-fé, e a natural surpresa Provocada por processos realmente jamais vistos, tiveram-na, assim, até pouco, presa ao redil dos caçadores de fortuna política.
Entretanto, a lição foi proveitoso de cima, podendo-se até, creio eu, afirmar, com mais sabedoria do que nunca: há males que vem parabéns…
Só não se pode negar que a nossa desmoralização, na ordem política, chega ao seu auge, e ainda nos ataca por todos os lados, uma vitória moral, ao menos, cabe ao Brasil contemporâneo, está com o valor de muitas, pois bem se pode dizer que é o esmagamento definitivo do poder dos nossos males políticos: – Desse mesmo refalsado espírito caudilhesco, que já Apontei, como causa oculta da nossa inquietação, da nossa permanente angústia social, desta febre revolucionária, que não nos deixa trabalhar com o sossego e continuidade os imensos materiais da nossa riqueza ponto.
Ver-se-á que, aniquilado este, todos os mais irão desaparecendo do nosso cenário político, e com extrema facilidade, porque somos um povo naturalmente sensato e honesto, tal como é a prova mesmo toda a história da nossa resistência aos péssimos exemplos da América Espanhola, durante quase um século.
Os sintomas da agonia militarista do Brasil são como que a resposta da esperança ás dolorosas interrogações, que fiz minhas, o são de todo o mundo, ante a confusão que se estabeleceu, de há tempos para cá, entre homens públicos, o que nos mereciam respeito, e criminosos de baixa estirpe. Mas ainda, a observador atento, não teria passado despercebido o que é a paixão dos militares do Club E fico não lhes deixou ver ponto tão fraca é, hoje em dia, a convicção dos que ainda esperam do exército a subversão da ordem civil, que nenhum deles foi capaz de eu seguir pelo tortuoso caminho, que eles haviam indicado. deixaram-no afundar-se no lodaçal da grafologia oldemarista, e ficaram, os grandes homens, a sorrir superiormente como Melgarejos de mais sábias atitudes. Vão, atirem-se no abismo… E eles não vacilaram, nem mesmo olharam atrás, a ver seu chefe o seguiam… é sabido que nem o Sr. Nilo Peçanha nem o Sr. Seambra jamais Deram palavra de apoio ao sustentadores, científicos ou não, da autenticidade das cartas… E por que? Quem mais do que eles, em caso de tanta gravidade, como patriotas empenhados na salvação da pátria, deveriam mostrar de todos os modos a sua solidariedade para com os destemidos legionários? Quem?
Longe disto, certos como estão ambos de que o Brasil não sofrerá mais a tutela de um militarismo, que a própria derrota do Cons. Ruy Barbosa feriu de morte, Eles tudo consentiram, até mesmo que as confundissem as classes armadas com meia dúzia de escorpiões Da sua confiança e estribo de automóvel, mas nunca dos nuncas se que se as confundissem com eles próprios, calmos, afastados, do que a luta tinha mesmo de perigoso e de sério.
Isto diz muito bem do dia que começa. Poderia haver maior prova de que, no fundo, ninguém mais confia de todo no supostos remédios revolucionários?
Jackson de Figueiredo, 11 de junho de 1922.