Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Esperemos

Jackson de Figueiredo

O discurso do deputado João Mangabeira sobre a inoportunidade da anistia, condição de bom senso e de alta cultura política, terá impressionado a nação, apesar do hábito, que, de alguns anos para cá, se lhe vem notando, de só ter ouvido para malandrins da politicagem ou sofistas, mais ou menos brilhantes, da revolução. 

Ademais o discurso valeu também como um ato, no domínio dos fatos, de muito mais séria significação que uma simples ação de palavras. 

Fora de ontem a afirmação de um dos órgãos mais autorizados do bolchevismo branco, que nos vai minando, de que estávamos sem governo, numa fase de simples expectativa, em que se estava a resolver o que deveria vir após o quatriênio de Bernardes… Era essa aliás a linguagem comum — lembremo-nos bem — à hora, tão próxima da atual, e em que o Sr. Assis Brasil, ainda “travesti” de chanceler, cantava hinos à rebeldia, cuja bandeira só estava enrolada, à espera da rendição de seus inimigos ou de um novo sopro de vingador entusiasmo. 

O discurso do deputado baiano foi como água na fervura… Mais uma vez o fantasma de um governo capaz de reagir contra a mazorca é o pesadelo dos que a exploram, há tantos anos, e não se pode negar que baixaram a voz e estão cantando outras cantigas… e tinha que ser assim mesmo: a revolução tem sido, no Brasil, obra da fraqueza, da covardia dos que encarnam o poder político. O Sr. Artur Bernardes, como o Sr. Epitácio, herdara o governo de um bando político cuja característica era duvidar dos próprios direitos adquiridos no nosso ensaio democrático-cesariano. O Executivo ia sendo, pois, a vítima dos que governam a nação de trinta anos a esta parte. Teve que revoltar-se contra tanta miséria e chamar a si, de fato, o que ainda restava de recursos morais e materiais para a repulsa da anarquia. E, como se viu, o próprio corpo político, que, de tão desmoralizado, já parecia morto, criou coragem, e reagiu ao lado de quem ousava crer ajuda na sua salvação. 

O Sr. Washington Luís não tinha, pois, outro caminho a seguir senão o de afirmar que está governando, e consciente da força que todo governo, sob pena de se negar a si mesmo, pode e deve usar, todas as vezes que desconhecem a sua presença ou não a julgam digna de atenção. 

Chegara ao poder em momento incontestavelmente difícil e nem era político nem mesmo justo que desejasse herdar todos os ódios particulares acumulados durante cinco anos por um governo de reação como fora o que ao seu antecedera. Mas entre uma tal atitude, de ponderação e de bom senso, e a postura de um covarde, com horror às responsabilidades e dubitativo dos seus direitos, é grande a diferença, e foi isto o que não quiseram compreender os profissionais da mazorca, os empreiteiros da agitação popular e todos, enfim, a quem a suspensão do sítio deu a ilusão de que bastaria uma simples revolução de imprensa, um dilúvio de injúrias e calúnias, de insinuações e ameaças, para conquistar o que não haviam conquistado de armas na mão. 

O discurso do Sr. João Mangabeira foi, assim, como uma resposta ao pé da letra a tantas veleidades revolucionárias: o maior desprezo, o esquecimento mais marcado a injúrias e doestos; e a franqueza oposta à insinceridade; e o bom senso, o senso prático da nossa realidade política opostos à retórica e à sofisticaria, e, sobretudo, a face calma e serena do governo revelada de repente à inquieta e convulsa face da ambição revolucionária. 

 Podem agora respirar desafogadamente, as consciências que temiam a perda, e talvez para sempre, do enorme esforço destes últimos anos para a consolidação de uma ordem política nacional. 

E digamo-lo sinceramente, só de agora em diante, um problema como o da anistia, poderá ser examinado seriamente calma, desapaixonadamente, como problema de interesse e de vida e não de mera sentimentalidade ou poesia, e ruim poesia, argamassada em bolorentos tropos demagógicos. 

Que este problema há de ter sempre a maior gravidade na vida dos Estados americanos é o que só poderá negar quem nada conheça da sua história, e uma causa já se pode afirmar sem medo de erro moral, pelo menos: a de que as soluções sentimentais não têm sido, até agora, senão meras dilações, simples paliativos, que em coisa alguma já concorreram para resolver o problema da revolução em si, ou melhor, para formar uma consciência de autoridade nacional. 

Mais uma vez é preciso relembrar as palavras do grande Antônio Carlos e que se dirigiam a uma situação semelhante à atual: 

“Disseram os nobres deputados que há discórdias por opiniões políticas. Quero conceder. 

Mas a anistia remedia as discórdias, abafa a divergência das opiniões políticas? Creio que não. A questão fica sempre a mesma e se reduz à seguinte: É a anistia remédio apropositado para produzir união de opiniões? Creio que não, torno a dizer. 

O processo com que se formam opiniões na cabeça do homem é lento, e o meio de as extirpar não pode ser senão lento, igualmente. Eu não duvido categoricamente que a anistia possa concorrer para adoçar a fermentação em certo tempo, mas nem sempre o conseguirá, e nunca de todo, e de um golpe, trará ao aprisco da moderação opiniões exageradas.” 

Quando um homem de bem é político, e tem diante de si um problema como o que temos a resolver, se sabe, se está à altura de meditar, não pode ter outra linguagem. 

Graças a Deus o discurso do Sr. João Mangabeira, dentro da agonias e esperanças contemporâneas, valeu como um desses conselhos de verdadeira moderação, ao verdadeiro patriotismo. 

É evidente que a fantasia, a imaginação patrioteira teve uma síncope real… 

Vamos a ver o que inventará para refazer-se, ou se entrará mesmo no bom caminho, despindo-se de tantas e tão desencontradas ambições e vaidades.

Gazeta de Notícias, 22 de julho de 1927