Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

São Luís de Gonzaga e a nossa mocidade

Conferência do Dr. Jackson de Figueiredo no Teatro Municipal de São Paulo

Senhores: Honrou-me, sem aliás surpreender-me, o convite da Comissão “Arquidiocesana Aloisiana de S. Paulo”, para que viesse falar à mocidade paulista sobre S. Luís de Gonzaga, o grande santo da mocidade, o modelo, que a Igreja Católica, santa e heroica, mestra do mundo, apresenta a todos os jovens que,  à entrada da vida propriamente, já se sintam conscientes do seu destino humano, e pouco inclinados a ceder às múltiplas tentações da vida fácil – em que o animal de gozo e de presa, e, não raro de desgraça também, se move aos bruxuleios racionais de uma larva de homem, quando não os apaga totalmente, e então, não já para viver, mas para passar somente sobre a terra, como sobre pastagem verdejante, destruindo para alimentar-se… e nada mais.

Ora, não tem outra significação uma obra de moços, a ação de moços, um compromisso entre moços sob a égide de Luís de Gonzaga – lutador, por excelência, coração de guerreiro, viva encarnação a bravura espiritual, da serenidade, da agudeza de espírito, da persistência, da prudência e do ardor indomável, de todas as energias –  enfim, naturais, ou adquiridas na luta, e que, harmonizadas, dentro de uma unidade de fé, revelam a grande alma destinada por Deus, a comandar e a vencer.

É a terceira vez que a mocidade de São Paulo, que a mocidade Católica de São Paulo – honra e esperança da nossa pátria – assim me distingue com um convite como o que me trouxe a esta tribuna.

Não venho agradecer-lhe mais este gesto de bondade.

Venho, e fazendo, a esta hora, não pequeno sacrifício, demonstrar-lhe o meu entusiasmo por toda luz que se dirija a horizonte de luta, por todo sinal que imprima nobreza, ou virilmente caracterize a fisionomia social do Brasil contemporâneo.

E não vos surpreendas, meus amigos, com este falar rude e grosseiro, com este rumor bélico de ideais, de um homem como eu, sobre uma flor de angelitude e de pureza como S. Luís de Gonzaga.

Não. Quero crer que não há surpresa da vossa parte ao ouvir-me.

Não creio que desejásseis de mim, por exemplo, o que se possa chamar com propriedade uma conferência. E muito menos sobre São Luís Gonzaga. A sua admirável biografia escrita pelo padre Cepari, é um dos livros mais populares entre a nossa mocidade católica estudiosa.

Não deveria, pois, vir aqui repetir-vos datas ou narrar-vos fatos, que já conheceis descritos com invejável simplicidade e elegância.

E não seria eu quem ousasse também encarar a obra e a vida de São Luís nos seus aspectos propriamente místicos ou devocionais. Os vossos mestres, os vossos diretores não confiariam tão delicadas questões, assunto de tamanha responsabilidade, ao curto fôlego espiritual de um homem que, certo da sobrenaturalidade da vida cristã, com dificuldade mantem-se no entanto, entre os que se expõem na defesa consciente do que poderemos chamar as obras avançadas da Igreja.

Não, meus senhores!

Não poderia ser este ou aquele o meu papel neste momento.

Poucos de entre vós, da mocidade que me ouve, poderiam compreender mesmo a angústia, o sofrimento que, não raro, transparece, em vibração tão profunda quão aparentemente fugaz na palavra do convertido, isto é, na palavra de um homem como o que vos fala.

Sim, porque ninguém poderá dizer nunca que dolorosas são as raízes subtilíssimas deixadas na alma de cada convertido pelas más paixões e os maus orgulhosos, muitas vezes carinhosamente cultivados, durante anos – por aqueles que, a uma hora vertiginosa da adolescência, esqueceram à sombra da cruz doméstica, dúvidas sãs e bons temores, e se deixaram ir por estradas de falsa amplitude, de fingidas belezas, atrás da múltipla ilusão…

Esse homem, a não ser por uma especial graça de Deus, nunca mais terá os olhos para penetrar toda a doçura, toda a mansidão, e as variadas nuanças da mansidão e da doçura, de um homem verdadeiramente espiritual, da sua vida interior, tão visitada pelo espírito da imortalidade, por tudo quanto é eterno, e ofusca o olhar terreno.

E imagine agora, meus amigos, se esse homem que sai da treva da descrença, jamais alcançou a luz natural e serena da vida circunscrita à meditação, e à piedade, se jamais lhe foi dado o recolhimento e o silêncio, a paz – já não digo do claustro – mas de um oásis da existência, somente entre a família e os livros, a amizade e a oração, a própria consciência e os doces cismas da solidão, e da humanidade!

Falo do que sei, falo do hei sofrido, do que sofro, do que me angustia e fere: a luta grosseira, à luz artificial do urbanismo desenfreado, a onda jamais esmorecida das paixões cruéis dos interesses inferiores e até das paixões e dos interesses superiores,  mas tudo de confusão de mistura, entenebrecendo à consciência mais destemorosa, desritmando o pulsar do coração mais valente, tal o patético dessa duração mortal, que só se deixa apreender e sentir na perenidade de um vir a ser, que jamais é de todo ilusão, que somente passe, ou decepção, que se perpetue.

Esse homem não poderá nunca falar, à mocidade das inefáveis delicadezas morais, dos tesouros místicos, das virtudes sobrenaturais, das misteriosas afinidades entre a humildade e a alegria, o sacrifício cristão e a felicidade.

Senhores eu nada vos poderia dizer da economia mística, do senso interno da santidade de um homem como S. Luís de Gonzaga.

E pode um cristão – isto é, um homem a quem foi dito: “sede perfeito como o vosso Pai que está no céu” – pode, um cristão fazer confissão mais triste, mais dolorosa confissão?

Mas dai-me agora ouvidos mais atentos, meus amigos, nota bem o que agora vos vou dizer.

A Igreja de Jesus Cristo, a Igreja Católica – santa e heroica, mestra do mundo – escola de santidade, de santificação interior, aberta a todos os homens, amante de todos os homens, não é por isto mesmo privilégio só daqueles a quem Deus chamou, em vida, à perfeição. Pelo contrário: Igreja militante, ela faz dos santos mestres da vida, mas é dos fracos, é dos desgraçados, é dos desvairados, dos insensatos, dos perdidos para o mundo, e da massa comum dos débeis, dos dubitativos, que ela mais cuida, é por eles que ela se organizou, se humanizou, por assim dizer, nessa formidável hierarquia visível, nessa trama poderosa de obras protetoras de toda espécie de fraqueza, e a tudo imprimiu o selo do possível, do alcançável, do realizável, do vulgar, digamos assim, até os mais subidos sacrifícios, até aos heroísmos mais raros, de todo em todo impossíveis aos que os almejam com as sós forças de orgulho do coração ou da inteligência.

Escutai, meus amigos, o que vos diz um dos mestres do pensamento contemporâneo, e justo, no momento em que previne que é preciso não atentar somente na hierarquia visível da Igreja – “Os sucessivos sagrãos sobre os quais se eleva a majestosa série de suas jurisdições já deixam pressentir as distinções e classificações que o catolicismo soube introduzir ou consolidar na vida do espírito e da inteligência do mundo. As constantes máximas que distribuem as dignidades na sua própria organização, de novo se fazem sentir no rigor das escolhas críticas, das preferências raciocinadas, que a lógica de seu dogma sugere aos mais livres fiéis. Tudo o que o homem pensa recebe do julgamento e do sentimento da Igreja, lugar proporcional ao grau de importância, de utilidade ou de bondade.

E depois: “Nada há no mundo comparável a esse «corpo» de princípios tão gerais, de costumes tão complacentes, sujeitos ao mesmo pensamento, e tal enfim que aqueles que o aceitaram jamais puderam queixar-se seriamente de ter errado por ignorância ou falta de saber ao certo, o que deviam saber. A consciência humana de que a incerteza é talvez a maior desgraça, saúda diante dele o templo da definição do dever.

Esta ordem intelectual nada tem de estéril. Seus benefícios alcançam a vida prática. Seu gênio previdente guia e sustenta à vontade, tendo-a pressentido antes do ato, desde a intenção em gérmen, e mesmo no primeiro broto nascente da inspiração e do desejo. Por insinuantes manobras ou violentos exercícios repetidos de idade em idade, para embrandecer ou para domar, a vida moral é surpreendida na sua origem, captada, orientada, e mesmo conduzida como pela mão de um artista superior.

Semelhante disciplina das energias do coração, vai além do coração. Quem quer que se prevalece da origem católica guarda um corpo móvel e temperado de hábitos profundos, que são simbolizados pela ação do incenso, do sal ou dos santos óleos, mas que determinam influências e modificações radicais.

Daí nasce esta sensibilidade católica, a mais distensa e a mais vibrante do mundo moderno, porque ela resulta da ideia de uma ordem imposta a tudo. Quem diz ordem diz acumulação e distribuição de riqueza: moralmente, reserva de força e de simpatia.”

E Maurras como que assim remata a sua análise: “O catolicismo forjou para o amor os mais nobres freios, sem alterar ou oprimir. Por uma operação comparável as obras primas da mais alta poesia, foram amoldados os sentimentos as divisões e aos números do pensamento. O que era cego ganhou olhos vigilantes. O coração humano, que é tão fácil aos artifícios do sofisma como à brutalidade do simples estado selvagem, se surpreende, refeito e esclarecido aos mesmo tempo.”

Atentai bem, meus amigos, quem assim vos fala dos resultados naturais da doutrinação católica, não é, como poderia parecer um crente um homem de fé. Pelo contrário. A palavra é do mais esclarecido dos gênios políticos da França contemporânea, mas homem a quem Deus, no entanto, não concedeu até hoje, a graça de poder penetrar os arcanjos da fé, e ver com os  olhos do coração a riqueza ainda mais “infinitamente infinita”, para falar como Pascal, da caridade cristã, os recursos sacramentais, o santo orgulho da confirmação, as magnificências da confissão sincera, e o corpo e a vida de Jesus, senhor dos mundos, no mistério, brilhante como o sol da Eucaristia.

Notai bem, meus senhores, tudo o que um homem, desajudado da graça divina, pôde, no entanto, descobrir e assinalar de poesia e de força nas relações externas entre a síntese intelectual da Igreja, e a vida prática, a vida cotidiana dos seus fiéis.

Ora, bastaria esta certeza de uma perfeita adequação entre a doutrina da Igreja e o equilíbrio das consciências, entre as lições morais do Catolicismo e os interesses da razão natural para que homem algum se pudesse furtar a análise, ao estudo de uma vida, de uma atividade, de uma afirmação de um caráter e de inteligência como o de São Luís Gonzaga, tipo representativo dessa vontade, a mover-se dentro da ordem intelectual, tão vasta e tão profunda, tão forte e tão dútil, que arrancou a Charles Maurras o trecho apologético que acabo de citar.

Mas a vida da Igreja, e a vida de cada um dos seus filhos, por tanto, não se limita unicamente a essa posse incontestável da vida conforme à razão. Ela abrange muito mais que a individualidade, coletiva ou não, para servi-me aqui – se bem que um pouco figuradamente – de uma distinção amada por Maritain, um dos chefes do movimento contemporâneo em prol de filosofia tradicional. Ela se dirige à personalidade mesma do grupo humano ou da criatura isolada: ela vai à essência da vida humana, às relações desta com o Criador de toda a vida, ela revolve, por assim dizer, constantemente o fundo de sobrenaturalidade em que repousa a atividade, isolada ou gregária, das consciências.

O santo nada mais é que o homem em que a Igreja reconheceu a plenitude desse mistério, que é como a coroa, a abóbada a cobrir os demais mistérios da vida: o finito, o imperfeito, o passageiro, não em aspiração ou em desejo, não em pensamento ou ato exterior, mas em íntima união, em vida vivida, com Deus, com o infinito, o perfeito, o eterno.

É a esses homens que devemos, por nossa vez, nós, os endoloridos seres a meio termo de tudo, e cercados de tantas forças hostis à nossa medíocre ambição, é a eles que devemos o que, por sua vez, se poderia chamar uma graça natural, a da fé em nós mesmos, a coragem de não esmorecermos ao peso de nós mesmo, quando sabemos que é para tão alto ou para tão baixo que leva o caminho da vida.

“Nada mais certo do que isto: – Diz Newman, o grande apóstolo do século XIX – certos homens se sentem chamados a grandes deveres e grandes obras, aos quais outros não são chamados. A razão, nós a ignoramos; seja que os que não são chamados, traem o apelo, porque sucumbissem em provas anteriores, seja que, chamados, não obedecessem; seja que Deus, dando a cada um a graça batismal, todavia, a certos homens chama realmente, por sua livre graça, a mais altas coisas. Mas, em verdade, é assim: um vê espetáculos que outro não vê, tem uma fé mais larga, um amor mais ardente, mais larga inteligência espiritual.

Ninguém tem o direito de fazer do ideal inferior de um outro o seu ideal de santidade.”

Não há homem cristão, pois, que não tenha o direito de olhar, face a face,  esplendor da natureza humana, não há homem cristão, pois, que não tenha o direito de expor, por mais mesquinha e escura que seja a sua linguagem, a experiência da sua alma nessa deleitosa contemplação da sua própria imagem, transfigurada pela graça divina.

E vós, moços, que me ouvis, e vós, todos, os sentis ainda íntimas vibrações da mocidade, no coração – que já as neutraliza em atmosfera de dúvida – levai os olhos com coragem, fitai a luz do céu, não vos atemorizeis ante a distância dos astros, gravai, gravai-o bem na vossa retentiva espiritual, o vulto solar de São Luís Gonzaga, o moço guerreiro, não vencedor da Europa ou da Asia, mas, vencedor do mundo! Tomai-o, sim, como patrono, não em ato exterior de fácil obediência, mas em ato vital, em ato consciente, mais ainda em ato de fé serena e límpida.

Não, não vos impeça a justa desconfiança que toda criatura sensata tem e deve ter de si própria. S. Luís obedeceu à voz de Jesus, o procurou imitar. E, entre Jesus e S. Luís , vós o sabeis, todos, que não há de expressar distância porque entre a divindade e o humano, ainda a diferença é maior que entre o infinito e o número. Podeis, pois meus amigos, tomar a S. Luís como modelo e ideal de vossa vida, e mais: irmana-ló a vós e fundir às vacilações de vossa alma na fé inquebrantável do justo. 

Sois sujeitos a paixões, como o ódio ou orgulho? Pois bem: aperfeiçoai com ele o uso dessas paixões cruéis. Vede como nele todo o orgulho de casta e de fortuna se fez, pouco a pouco, o orgulho indomável de servidor de Cristo, orgulho que não cedeu diante de orgulho algum. Vede, também, que a ele mesmo quem declara que se odiou a si próprio, e de ódio verdadeiramente imortal. Daí este ponto de partida aos vossos ódios: odiai-vos no que tendes de igual aqueles a quem odiais. Comece por aí, e vereis que o amor à obra divina, que também sois, acabara por suplantar, tanto em relação a vós, como em relação aos demais homens, o ódio sagrado às vossas e às alheias misérias, e ainda com maior facilidade do que este em vós suplantou o ódio insensato. 

Que mestre, que forte e admirável mestre vos concedeu a Igreja!

Habituai-vos a segui-lo, e vereis com que inesperada firmeza atravessareis paragens perigosas, e vencereis inimigos reais e aparentemente invencíveis.

Não vos disse eu que não era sem razão que o chamava de guerreiro, a ele, o humilde, o angélico filho da Companhia de Jesus?

Pois, ficai certos que eu não ousaria vir até aqui agitar paradoxos ou divertir-vos com ginásticas do espírito.

Não. Não há uma tese a defender a minha afirmação. Há a verdade mesma a expor, clara e simplesmente.

Sabeis todos que há uma simbologia  do destino cristão, tal como um homem como o padre Felix não se temeria de aprofundar e na vida de S. Luís ela se revela de modo surpreendente. Príncipe, nobre, de origem guerreira, como todo verdadeiro nobre, “apenas o viu nascido, diz o seu biógrafo, a mãe faz sobre ele o sinal da Cruz”.

Ora, entre a Cruz e a Espada meus amigos, só os cegos não veem a semelhança, só os covardes não amam esta semelhança.

[N.d.E.: Há, neste trecho, um parágrafo ilegível na digitalização do jornal]

Poderia Luís de Gonzaga ter sido cortesão ou diplomata: era-lhe fácil o convívio do trono e se sabe com que prudência e segurança conjurou conflitos iminentes entre senhores irritados. Nada disto quis ser o Príncipe de Castiglione.

Quis ser soldado e foi soldado, e soldado da mais férrea e disciplinada milícia daquele soberano que afrontou uma vez o mundo com esta terrível palavra: “Não Julgueis que vim trazer a paz, mas sim a espada”.

Compreendeis-me agora?

Eis aí o primeiro exemplo seu, e fácil de seguir, para todo homem, para todo jovem que deseje ter na vida o ponto de vista do soldado, isto é, o único, que sob diversos nomes, abrange mais que a própria vida – meio de luta de que só se pode sair vivo pela porta da vitória, que dá para a eternidade. S. Luís não quis ser guerrilheiro sem compromissos de bandeiras, nem D. Quixote, destinado a comover o coração dos homens pela melancolia da derrota… Não. Ele amava a vitória ainda mais do que a luta e foi primeiro inteligência antes de ser vontade. Escolheu distinguir entre as forças que combatiam na planície… Procurou ver a luz do astro benigno, da estrela da vitória. 

E foi as fileiras do verdadeiro exército, mesquinho em número diante das multidões, bárbaras e ignaras, mas disciplinado e coeso, que ele quis incorpora-se, egoisticamente, dir-se-á, porque certo da vitória, mas também sem temor algum dos sofrimentos, das derrotas parciais, de todas as aflições que antecipariam o triunfo.

E as condições para esse engajamento? A castidade, a humildade, a absoluta obediência, o dom de si mesmo na sua mais positiva significação, as virtudes, enfim, que caracterizam a curta vida de São Luís , a ponto de o fazerem notado em um meio como o da santa milícia de Jesus, em que elas eram mesmo condição de existência.

Serão elas, essas condições, os empecilhos para o vosso engajamento? Não pensei só nos resultados. Pensai que não há uma entre essas condições que, de si própria, não já represente uma vitória sobre si mesmo, isto é, sobre o que há de mais difícil a vencer neste mundo, se alguma coisa vale a confessada experiência dos séculos no quadro de todas as filosofias, boas ou más.

E não vos quero dizer aqui como José de Maistre, o que pode o olhar do homem casto, nem as obras com que a humildade tem vencido o olvido, aonde naufragaram orgulhos imensos, nem quanto têm sabido mandar os que souberam obedecer, nem quanto têm conquistado do mundo os que a Deus fizeram o dom de si mesmo.

Permiti que eu ouse, meus amigos, uma única vez, mas já ao fim da nossa jornada, lançar os olhos e atrair o vosso olhar, não já para os aspectos exteriores da vida cristã, da vida da alma como “naturalmente cristã”, mas da vida humana em toda a sua extensão e, profundeza, em que o mais humilde de nós, o mais afeiado já pelo pecado e o erro, pode proclamar-se rei o senhor do mundo destinado à vitória sobre todas as forças destruidoras – não só das que o atacam – mas de todas as que perturbam a harmonia do universo.

E vós, moços católicos, não podeis duvidar, disto, porque é a Igreja de Jesus Cristo quem o proclama, ela – que, melhor que quem quer que seja, conhece a miséria do homem, a sua fraqueza, a sua degradação.

Ela é quem o proclama.

Lembrai-vos o que vos diz a liturgia da Igreja, da palavra do Apóstolo:

Terra, pontus astra mundus,

 quo lavantur flumine!

É a própria natureza que se restaurou no sangue de Jesus Cristo, e não duvideis que, se o mundo é uma ruína, como o concebiam não só a filosofia da Igreja, mas filósofos independentes como Renouvier ou Secretan, não duvideis que seja do esplendor do sangue do Cordeiro, e às suas lágrimas também, que devamos a beleza da paisagem e de certos horizontes, que mesmo quando pisamos o solo pátrio, parecem lembrar uma pátria distante, ao coração melancolizado, mas emergido subitamente como se o tocasse a asa de um anjo.

Pois que vos diz São Luís ? Se as coisas mortas são vivas em Jesus Cristo, que não pode aspirar o que se sente viver e vós, mocidade, vós moços católicos, a quem as águas do batismo sagraram soldados, por destino e finalidade?

Confiou-vos a Igreja ao comando do herói não fez mais que viver e morrer, assim pode dizer-se, tão simples foi a sua vida para quem não tenha olhos de ver, ou assim o foi para que cada jovem sentisse nele um irmão mais velho, capaz de intimidade, de carinho, de confiança, enfim, sem sobressaltos de respeito ou de temor.

Ele é a afirmação viva de que vencer-se a si mesmo é vencer tudo. Eis a filosofia de sua vida, e tão dramática, no entanto, em face da consciência humana, como otimista, e fortalecedora dessa mesma consciência.

Mocidade! Mocidade católica que me ouvis – lembrai-vos sempre que só para o cético, sobre o mundo contemporâneo, o que resta a viver é sombra de sombra – ou a aspirar – um perfume…

A vós, meus amigos, a vós somente a vitória!

É o mesmo ceticismo quem confessar não ser possível olhar, por pouco fixamente que seja, a figura de Jesus Cristo – despojado de sua glória divina – que não é possível fitá-lo sem cair de joelhos.

Sabeis que estou a lembrar palavras de Renan.

E como deve ser difícil, triste e humilhante, a vida de quem seja forçado a ajoelhar diante, já não digo daquele a quem se odeia, mas diante daquele a quem não se ama?

Sim, a vida para vós, soldados de Jesus Cristo, para vós, comandados de São Luís, por mais que pareça que o contrário, é bem mais fácil e bem mais amiga e bem mais carinhosa!

Notai a diferença: 

Ernesto Psichari, o neto de Renan, abandonou um dia a florida ruína do ceticismo do avô, e foi pelo caminho da guerra que chegou até ao coração de Jesus Cristo. Sabe-se que esse caminho de guerra foi o que lhe coube trilhar, até o fim da sua fulgida carreira, ao lado de Jesus Cristo – que lhe ditava o sacrifício da própria vida pelo lar cristão.

O seu herói predileto era o que ao fim da jornada, soubera dizer: “Pois quem, Senhor, andar-vos é pois coisa tão simples.”

Vede a vitória!

E são como estas as vitórias a que vos levará São Luís. É uma mocidade forte e destemerosa a que modela o ideal cristão, consciente de que só há verdadeiramente mal nas fugas, nas covardias do bem, se é que se pode chamar bem o que foge e se acovarda.

Conta Mor, d’Hulst que a São Luís, noviço da Companhia, perguntaram, em hora de recreio, o que faria se, de repente, viesse um anjo anunciar-lhe que era chegada a hora da sua morte.

A pergunta fora, aliás, feita a outros, e enquanto, que arquitetavam planos de penitência e de arrependimento, São Luís disse simplesmente que ficaria onde estava, a recrear-se a brincar…

Confiança, demasiada na sua própria virtude? Não, três vezes não. O que ele queria dizer é que fosse qual fosse a situação em que se achasse não estava ele em função de si mesmo e sim de obediência à vontade de Deus.

Eis o segredo de achar fácil o que para os outros é árduo e difícil, e de aborrecer, por fácil de mais, e indigno do esforço humano, o que não alimenta, senão a preguiça, e sensual animalidade.

Soubestes arregimentar-vos às ordens de São Luís Gonzaga!

Isto quer dizer que reconhecei sentido e finalidade à vossa própria ânsia de viver.

É quanto, basta.

O neto de Renan, que conheceu de parto a luta que este empenhados, a luta da mocidade contra a desordem e o vício, as tentações e as amarguras, que lhe são próprias – não fez longos sermões nem aconselhou mais do que isto:

“Esperai na plenitude do vosso coração e na força da vossa mocidade – E o resto vos será dado em acréscimo.”

Eu nada mais tenho a dizer-vos!

Gazeta de Notícias, 10 de Novembro de 1926