Jackson de Figueiredo
Ao Brasil urbano, incaracterístico, e, no entanto, doloroso, de ridículo e pedanteria, falam o Dr. Pinto Serva e seus pares do primarismo mais inocente; exploram-no os demagogos e os sicários de imprensa mais hostis à inteligência e ao caráter, e não o exploram menos os políticos — bons ou maus, não importa — mas a quem falta outro ponto de apoio que não o do natural egoísmo, produtos que eles já são da indeterminação geral, incapazes, como se sentem, de qualquer compromisso doutrinal com os princípios cristãos, básicos da nacionalidade.
O outro Brasil, o Brasil sertanejo ou que, pelo menos, ainda não está completamente fundido à nossa nevrose de cães de porto, este ainda não conta como nação. Pode ser até que o futuro deste já esteja vinculado, em essência, ao desenvolvimento das forças que dormem por aí, espalhadas no vasto chão do interior brasileiro. Por enquanto, porém, devemos cuidar somente do que estamos a fazer “à beirada das ondas”, medir a que altura já vai esta Babel de papelão e de vaidade, em que estamos a gastar tanto esforço, e que as ondas destruirão fatalmente, venham elas do Atlântico ou dos chapadões, de fora ou de dentro, de fomes imigratórias ou do heroísmo que, acaso, esteja a animar, imperceptivelmente ainda, a humilde poeira da nossa terra semibárbara.
Daí o dever de dar o maior relevo possível a toda voz de bom senso, que ouse falar linguagem universal em meio a esses particularismos de grupelhos ou a esses individualismos ainda mais asquerosos e mais tristes.
E têm sido tão poucas essas vozes, e tão desiguais ainda na íntima segurança do que afirmam! De um Badaró a um Dom Vital, de um Fausto Cardoso a um Coelho Campos, de um Francisco Bernardino a um Hamilton Nogueira, que nuanças a verificar na tela da verdadeira doutrina!
Ademais, se é ridículo por demasiado simplista, o uso da chave maçônica com que alguns católicos se julgam capazes de explicar a maioria dos nossos males, como negar que o maçonismo foi, por assim dizer, o condutor da ideologia antinacional, que nos domina, não já por meios maçônicos mas como preconceitos enraizados no mais profundo de nós mesmos?
Sabe-se já que terrores, que oceanos de respeito humano precisa vencer hoje em dia um intelectual brasileiro para abordar sequer certos assuntos, usar apenas de certos termos ultra caluniados pelo revolucionarismo liberal?
Não são de ontem as cólicas jurídicas do Sr. Plínio Barreto diante de simples enunciados de bom senso ou de doutrinas tão velhas quanto o homem?
É por isto que, cumprindo o dever de identificar mais um espírito reacionário — o de Francisco Teive de Almeida Magalhães — o que equivale a dizer louvá-lo, aplaudi-lo — para irritação do nosso democratismo de cordel — o meu primeiro cuidado é não discutir o que ele ainda considera as origens metafísicas, as bases filosóficas da sua doutrinação política. Não me preocupam aqui as suas opiniões sobre o direito divino ou a soberania popular, nas suas relações com a filosofia do senso comum, (se quiser, com a filosofia cristã), isto é, com a única de que se podem tirar as conclusões práticas, a que chegou, mais por intuição e puro bom senso do que por absoluta integração às suas verdades fundamentais.
O que ele já conseguiu, porém, vale como um milagre de brasilidade. E ter a coragem de publicá-lo é ato heroico, no tumulto de vaidades primárias e demagógicas, que nos vão desmoralizando.
Almeida Magalhães, aliás, estava como que fadado a formar na fileira dos nossos mais sérios reacionários, em todos os domínios de atividade intelectual brasileira.
Foi dos primeiros a compreender, por exemplo, o valor “nacional” da reação de Farias Brito contra a nossa horrível contrafação do positivismo contista, e o seu opúsculo com o histórico e a crítica daquele movimento ainda hoje vale como uma das melhores afirmações da geração a que pertence.
Saudemo-lo, pois, de coração aberto quando o vemos tomar posição também entre os poucos que — não temendo a força do número nem os ódios ou as paixões da inconsciência — reagem contra os que vão confundindo a nação com aquela força, com aqueles ódios, com aquelas paixões, que a desagregam, a olhos vistos, numa cultura de radical desmoralização e sem-vergonhice.
Entre as teses apresentadas ultimamente por Almeida Magalhães à Congregação do Ginásio de Ribeirão Preto, em São Paulo, em concurso à cadeira de Instrução Moral e Cívica, figura esta a que venho, indiretamente, me referindo, sobre a universalidade, obrigatoriedade e sigilo do voto.
Não quero, como disse, fazer a análise do seu temperamento doutrinal, aliás, a esta hora, ao que me parece, prestes a integrar-se no mais puro sistema cristão. Quero somente registrar as lições que o moço jurista dá aos velhos que vão assassinando a sua pátria, à força de sofismas que já dificilmente se equilibram sobre a lama revolta deste chão aqui e ali ensanguentado.
Elas estão contidas nas conclusões da sua tese, e são as seguintes:
“A universalidade do voto é um dogma de falsa democracia que não pode subsistir à mais ligeira análise.
Se para escolher é mister discernimento, inteligência, critério, senso comum, independência, honestidade, pureza de intenções, o sufrágio universal, ou mesmo o voto generalizado, é quase uma “contradictio in adjecto”, porque o simples fato de sufragar, envolve a capacidade do sufrágio e é um absurdo supor que todos sejam capazes de possuí-la.
A obrigatoriedade do voto se bem que, em tese, constitua atribuição legítima e jurídica do Estado, na prática não é aconselhável, porque quem vota premido pelo poder coercitivo, há de votar sempre mal.
O sigilo do voto ou é uma inutilidade, ou um perigo. Uma inutilidade para o eleitorado digno deste nome. Um perigo com o sufrágio universal, principalmente sendo este combinado com o voto obrigatório”.
Dar a estas conclusões de estudo tão sério e tão bem documentado como o do jovem mestre reacionário, uma maior publicidade (e à hora em que até a sensatíssima terra mineira se vê ameaçada de nova inundação de artificialismo liberal), é para mim um verdadeiro prazer, e um alento às mais elevadas esperanças do patriotismo.
Guarde Almeida Magalhães os argumentos e os dados com que chegou a estas conclusões. Verá que não terá que empregá-los, mais uma vez, contra os seus opositores.
Estes, no Brasil, se aparecem, não trazem quase nunca outras armas que as da calúnia, da injúria, mais ou menos aparentes.
Mas, não esmoreça por isto. Transforme as belas e vivas páginas que entregou à meditação dos seus, talvez espantados juízes de Ribeirão Preto, num livro que fale a toda a nação, isto é, à parte dela que ainda é capaz de pensar, de esforçar-se, pois, para libertar-se da mentira e do erro.
Gazeta de Notícias, 02 de Maio de 1928.