Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Vida de São João da Mata

Padre Rohrbacher

João da Mata nasceu pela metade do século XII, em Faucon, nas fronteiras da Provença, e recebeu o nome de João no batismo. Os pais que lhe deram vida distinguem-se pela nobreza e piedade. A mãe consagrou-o ao Senhor desde o nascimento, por uma promessa. O pai, chamado Eufêmio, cuidou particularmente de sua educação e o enviou à cidade de Aix, a fim de que lá realizasse os seus estudos e aprendesse tudo quanto deve saber um jovem de estirpe.

João envidava todos os esforços para valer-se das aulas dos diferentes mestres: mas dispunha de outro ardor, inteiramente diverso, para aperfeiçoar-se na prática das virtudes cristãs. Era Senhor de extraordinária caridade para com os pobres, e empregava no alívio da miséria deles parte considerável do dinheiro recebido da família. Todas as sextas-feiras ia regularmente ao hospital, onde lhe pensava as chagas e lhes proporcionava os auxílios possíveis.

De regresso à casa do pai, pediu-lhe licença para continuar os piedosos exercícios, e, após a obter, retirou-se para uma pequena ermida pouco distante de Faucon. O seu plano era viver lá sequestrado do comércio do mundo, para só falar com Deus. Não encontrou, contudo, a solidão que anelava. As frequentes visitas dos amigos causavam-lhe distrações, e ele houve bem abandonar a cela: indo, pois, visitar o pai, rogou o mandasse a Paris para estudar teologia. Eufêmio aprovou o plano do filho e de boa vontade lhe permitiu rumar para a capital. João fez com grande êxito o curso, tomou os graus comuns, e finalmente o de doutor, embora a modéstia lhe inspirasse aversão por aquela honra. Sendo ordenado sacerdote, algum tempo depois, celebrou a primeira missa na capela do bispado de Paris. Maurício de Sully, que então ocupava o trono da capital, os abades de São Vitor e Santa Genoveva, e o reitor da universidade quiseram assistir a ela. Foi-lhes fácil julgar, pelo angélico fervor com o qual o santo celebrava o augusto sacrifício, que o espírito de Deus residia nele com a plenitude das duas graças.

Foi no mesmo dia em que rezou a primeira missa que o nosso Santo, por especial inspiração do céu, formou a generosa resolução de tratar de resgatar os infortunados cristãos que gemiam na escravidão, entre os povos infiéis. Visava a duas coisas naquela boa obra, a libertação do corpo e a salvação da alma, que correm os maiores riscos entre os bárbaros. Não quis, entretanto, nada empreender antes de consultar, de maneira especial, o Senhor. Foi o que determinou a retirasse para um lugar solitário, a fim de atrair sobre si as luzes do Espírito Santo, mediante fervorosa prece e todos os exercícios da penitência.

No mesmo tempo vivia na solidão São Félix de Valois, assim chamado, ou por ter nascido na província de tal nome, ou por pertencer ao ramo real dos Valois, como pensam vários críticos. Veio ao mundo em 1127; abandonou a Silícia, onde possuía consideráveis bens, e retirou-se para uma floresta na diocese de Meaux. Escolheu tal solidão com o intuito de viver desconhecido dos homens, de pensar exclusivamente em Deus e de se ocupar unicamente da sua santificação. Unia à prece e à contemplação as mais rigorosas austeridades da penitência.

João de Mata, ouvindo falar dele, foi imediatamente visitá-lo, e rogou-lhe o acolhesse na sua ermida e o encaminhasse na senda da perfeição. Félix descobriu facilmente que não estava absolutamente lidando com um noviço na vida espiritual; Por conseguinte, considerava mais companheiro enviado por Deus que discípulo. Seria impossível exprimir até que ponto levaram os nossos dois ermitães o espírito de oração e com que zelo abraçaram as mais rigorosas austeridades. Eram longas as vigílias e quase constantes os jejuns. O que mais os entretinha era a contemplação, e não tinham outro alvo, em todas as conversações, se não o de inflamar cada vez mais o coração com o sagrado fogo do amor divino.

Um dia em que estavam juntos à feira de uma fonte João confessou a Félix a ideia que certa vez tivera, e precisamente, por ocasião da primeira missa, de se consagrar à libertação dos cristãos cativos entre os maometanos. Falou do fim e da utilidade de tal empreendimento de maneira tão viva e comovente que Félix não duvidou absolutamente de vir tal projeto de Deus; louvou-lhe, pois, a execução e até se ofereceu para colaborar no que fosse possível. Os dois Santos só estavam embaraçados quanto à escolha dos meios necessários para a realização do nobre desejo que lhes fora inspirado pela caridade. Recomendaram-se a Deus e redobraram as mortificações e preces, com o intuito de lograrem novas luzes sobre o futuro comportamento. Alguns dias depois, puseram-se a caminho, para Roma. Partiram pelo fim do ano de 1197, sem que os pudessem deter os incômodos de uma estação rigorosa. Chegando a Roma encontraram Inocêncio III no trono de São Pedro. O soberano pontífice, tendo sido informado da santidade de ambos e do seu piedoso intento, mediante missivas de recomendação, a ele apresentadas por parte do bispo de Paris, os acolheu como dois anjos enviados do céu, mandou que se alojassem no palácio de São João de Latrão, para que o aconselhassem sobre questão de tão elevada importância. Após as deliberações, ficaram estipulados um jejum e preces particulares para se conseguir que Deus manifestasse a sua vontade. Por fim, certo de que os dois ermitães franceses eram realmente guiados pelo espírito de Deus, e considerando a utilidade que à Igreja adviria da instituição por eles projetada, acolheu-o e formou uma nova ordem religiosa da qual foi João declarado primeiro-ministro geral. O bispo de Paris e o abade de São Vitor ficaram incumbidos de preparar as regras, e o Papa as aprovou mediante uma bula publicada em 1198. O soberano pontífice quis que os novos religiosos trouxessem o hábito branco com uma cruz vermelha e azul sobre o peito, e assumissem o nome de irmãos da ordem da Santa Trindade.

Tendo os dois Santos alcançado em Roma o que almejavam, regressaram à França. Foram secundados no piedoso empreendimento pelo rei Filipe Augusto. Um senhor de Châtillon cedeu-lhes um lugar para a construção de um convento mas a casa ficou demasiadamente pequena para conter quantos desejavam entrar na nova ordem. O mesmo senhor cedeu, então, o lugar chamado Cerfroid, o mesmo em que São João de Mata discutirá com Félix de Valois o primeiro plano da instituição. Lançaram lá as fundações de um mosteiro que sempre passou pela sede da ordem dos trinitarios. João e Félix construíram, ainda, vários outros mosteiros na França, tal o ardor que se tinha para ampliar uma congregação religiosa fundada na mais pura caridade. Mandaram alguns dos discípulos aos condes de Flandres e de Bois, e a outros senhores cruzados que se preparavam para rumar para a Palestina. A ocupação dos religiosos consistiria em ensinar os soldados, cuidar dos enfermos, e tratar do resgate dos cativos. O Papa escreveu ao rei de Marrocos, para lhos recomendar. A carta produziu venturoso efeito, pois tendo o santo enviado dois dos seus discípulos ao reino desse príncipe em 1201 resgataram eles 186 escravos cristãos. No ano seguinte, foi ele pessoalmente a Túnis, onde libertou mais de 110. Em seguida partiu para Provença, e lá reuniu consideráveis quantias que lhe serviam para conquistar a liberdade de grande número de infelizes que gemiam sobre os ferros dos mouros da Espanha. Tantas boas obras realizadas por João de Mata e pelos discípulos atraíram grande reputação à nova ordem, e mais tarde inspiraram a São Pedro Nolasco o desejo de fundar outra, mais ou menos no mesmo plano.

Realizou o nosso Santo uma segunda viagem a Túnis, em 1210. Muito sofreu com o maometanos, irritados com o ardor pelo qual exortava os cativos a suportar os males com paciência e a morrer de preferência a renunciar à fé. O fato seguinte dá uma ideia da barbaridade dos infiéis. Quando vira o santo embarcar com 120 escravos resgatados tiraram-lhe do barco o leme, e rasgaram-lhe as velas, para que perecesse no meio das ondas. João, cheio de confiança em Deus, não perdeu absolutamente o ânimo; rogou ao céu que se em incumbisse de conduzir o navio; depois, estendendo os mantos dos companheiros em forma de velas, ajoelhou-se, de crucifixo na mão, cantando salmos durante todo o trajeto. A navegação foi felicíssima, e o navio em poucos dias chegou ao porto de Óstia, na Itália. Visto que a saúde do nosso Santo piorava sensivelmente, e as forças o abandonavam de dia para dia, viu-se obrigado a passar em Roma o pouco tempo que ele estava para viver.

Viveu ainda dois anos, entretido unicamente com exercer obras de misericórdia. Dava Deus tamanha eficácia às suas palavras, que os pecadores mais endurecidos voltavam a si. Sucumbiu, finalmente, sob o peso dos trabalhos e das austeridades, e morreu em 21 de dezembro de 1213, aos 61 anos de idade. O Papa Inocêncio XI fixou-lhe a festa em 8 de fevereiro.


Transcrito por José Derivaldo Júnior a partir do livro Vida dos Santos, de autoria do Padre Rohrbacher.