Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Que lhes resta?

Trinta anos há que dura minha carreira filosófica e social, e sempre senti um profundo desprezo pelo que se tem chamado, sob nossos diversos regimes, a oposição, e uma secreta afinidade pelos construtores quaisquer – Auguste Comte (Catecismo Positivista, pag. 2 da tradução brasileira feita por Miguel Lemos).

Malgrado tantas feições intelectuais mesquinhas e mesmo amesquinhantes, o Positivismo sendo, como é, do ponto de vista religioso, um decalque da Igreja Católica, não podia deixar de refletir algumas das virtudes desta, a maior escola de caráteres, que já foi possível admirar-se sobre a terra.

Daí vem que seria injustiça negar que, no Brasil, a igrejinha positivista tem sido servida por um grupo de homens reconhecidamente dignos de respeito, como homens de caráter.

Só a Igreja Católica oferece aqui, como em toda a parte, tipos sociais que se lhes possam comparar, pela firmeza das convicções, por essa intransigência doutrinária que é a única força moral – tenha a contextura íntima que tiver – capaz de opor-se vitoriosamente à anarquia e ao abastardamento intelectual, de que sobre a civilização contemporânea.

Ora, esta questão da firmeza das convicções é tão importante, há tanta necessidade de tal firmeza em qualquer domínio da vida pública brasileira, atualmente, que cheguei até a convencer-me de que nos é mais útil o exemplo mesmo de um anarquista extremado ao de um católico de meia cara. Vou além: prefiro o exemplo do senador Azerado fazendo a defesa das suas convicções de jogador, em pleno Senado, ao de qualquer desses indivíduos incolores, que são sempre o tipo perfeito da honradez e do bom senso, sem que se lhes conheça um só ato de energia, de franqueza, de luta declarada contra seja o que for.

Algumas víboras do anonimato têm estranhado a minha admiração pelo Positivismo: a razão dela aqui fica bem exposta, e é só neste sentido que realmente a tenho. Nós, católicos, já sabemos o que são os positivistas tanto para o bem como para o mal. Que mais e melhor se pode esperar de um inimigo do que a franqueza?

Por isto também se nos alegra o coração toda a vez que verificamos que estão conosco e conosco se batem por esta ou aquela realização de ordem social, porque estamos certos de que não se move senão o impulso da própria crença, e não lhes altera o amor da verdade, a certeza de que os seus mais intransigentes adversários também a amam.

Nesta questão da sucessão presidencial, por exemplo, entre os oficiais do Exército que tão insensatamente davam provas de apoio ao partido da desordem, da completa anarquização da nossa vida política, para falar com franqueza só me preocupava a mesma opinião, grosseiramente revolucionária, partida de positivistas conhecidos e como tais respeitados. Era isto, a meu ver, um tremendo sintoma de absoluta desmoralização do regime republicano.

Católico revolucionário é absurdo, tão grande, que se pode jurar diante de quem quer que como tal se apresente: ou que não é católico ou que não é revolucionário. Mas dado o “aproveitamento” que fez Auguste Comte, de umas tantas significações morais da Revolução Francesa, é sempre de temer que um positivista não o saiba bem apreender na sistematização política do mestre, dentro dos rigores da sua lógica conservadora, eminentemente moderadora, e se deixe arrastar pelo instinto destruidor, máxime no Brasil, onde o 15 de Novembro vale por uma ilusão revolucionária. Entretanto, a quem aprofunde a nossa história, não será nunca difícil verificar que, acertada ou erradamente, o fato é que a República era uma tendência natural em nossa sociedade que, neste ponto, se não diferenciava de todos os mais povos do sistema americano.

De modo que a revolução de caráter militar, como se deu, foi simplesmente um erro, uma violência absolutamente desnecessária, que tem sido e ainda é a causa da insegurança republicana. A República far-se-ia no Brasil, estou certo, assim como se fez a libertação dos escravos, por força da lei, isto é, por imposição pacífica, mas irresistível das convicções entre as classes dirigentes.

À revolução armada, Pedro II, se fosse o revolucionário inconsciente que foi, deveria ter oposto resistência, porque a verdade é que ela não nos deu a República mas, sim, na República, o enfraquecimento da autoridade, a desordem moral em que todos mais ou menos temos vivido, em relação às nossas aspirações de ordem política.

Por tudo isto, porque um positivista de verdade não pode esquecer as claras, terminantes palavras de Auguste Comte contra toda espécie de oposicionismo, não era pequeno o meu espanto ao ver as manifestações de solidariedade de intransigentes positivistas com o oposicionismo rubro, revolucionário, anarquizador, e miserável mesmo, e mesmo infame, que se levantou ultimamente, no seio da sociedade brasileira, não só contra a consciência política das suas classes conservadoras, mas até contra as autoridades legalmente constituídas, dentro da normalidade de um regime de que eles próprios, os positivistas, são grandemente responsáveis.

Mas suponha eu, e com muitas razões em favor da minha suposição, que nem tudo estava perdido neste sentido, pois ainda não se fizera ouvir a palavra do sr. Teixeira Mendes, incontestavelmente a maior autoridade moral e intelectual entre os remanescentes da ex-poderosa igrejinha comtista, e respeitado, venerado mesmo por todo e qualquer homem de bem, pertença ao partido, à crença que pertencer.

Daí também a nenhuma surpresa minha ao ler a extraordinária lição de bom senso e de moralidade política, que esse homem digno por excelência, vem de dar aos seus irrequietos discípulos, sejam eles simples tenentes do Exército, ou ditadores constitucionais.

O que o sr. Teixeira Mendes lhes disse é o que eu, um pobre diabo, já dez vezes tinha dito só porque mesmo assim – pobre diabo – cheguei bem cedo à certeza de que pior das legalidades ainda seria mais benéfica ao Brasil, neste momento, que a melhor revolução. Que liberdade seria essa que nos prometiam os enxovalhadores da família brasileira, os indisciplinadores do nosso Exército?

“Como crer na duração de uma liberdade que começa pela gangrena?” perguntava Joseph de Maistre.

Não seria um homem como Teixeira Mendes quem nela acreditasse, máxime neste mesmo país onde melhor que ninguém tem podido ver que os homens raramente valem o que vale a mais medíocre das leis tão certo é que poucos têm sabido executá-las cabalmente.

Jackson de Figueiredo, 16 de abril de 1922.