Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Segundo Sermão pela Festa da Purificação da Santíssima Virgem

“E celebrarão os desígnios do Senhor: ‘Verdadeiramente, grande é a glória do Senhor’.” (Sl CXXXVII, 5)  

São Bernardo de Claraval

Todos os agradecimentos ao nosso Salvador por nos ter, abundantemente, “vindo ao nosso encontro com preciosas bênçãos” (Sl. XX, 4), por multiplicar nossas alegrias nos mistérios de Sua infância! Em algumas semanas estávamos celebrando as festas de Sua Natividade, Circuncisão, e Manifestação aos Gentios e eis outra das mais amáveis solenidades que nos acontece hoje: a solenidade de Sua Apresentação no templo. Pois, neste dia, foi oferecido ao Criador “o nobre fruto da terra” (Is. IV, 2); neste dia a “Vítima expiatória” (Num. V, 8), “Vítima aceitável para Deus” (I Pd II, 5), foi trazido ao templo por Seus pais, foi esperado pelos anciãos santos, e foi apresentado ao Senhor pelas mãos virginais de Maria. Maria e José vieram para “oferecer o sacrifício de louvor” (Sl. CVI, 22), a verdadeira “oblação matinal” (Ex. XXIX, 41), ao passo que Simeão e Ana receberam o Salvador criança em seus braços. Estas quatro pessoas formaram o cortejo o qual se é comemorado hoje com festividades alegres ao longo dos quatro cantos da terra. E na medida em que nós também, contrariamente ao nosso costume em outras solenidades [1], devemos ter uma procissão festiva hoje, será bom, creio eu, considerar com atenção a maneira e a ordem com a qual nós devemos proceder. Nós devemos caminhar de dois em dois, segurando velas acesas em nossas mãos, acesas não a partir do fogo comum, mas a partir do fogo previamente consagrado na igreja pela benção do padre. Além disso, o último deve ser o primeiro e o primeiro deve ser o último (Mt. XX, 16) em nossa procissão, e nós devemos “celebrar os desígnios do Senhor: ‘Verdadeiramente, grande é a glória do Senhor’.” (Sl. CXXXVII, 5). Há um significado especial, meus irmãos, em proceder deste modo, dois a dois; foi desta maneira e com o propósito de recomendar o amor fraternal [2] e a vida em comunidade, que Cristo enviou os setenta e dois discípulos, como o Evangelista nos conta (Lc. X, I). Aqueles que insistem em andar sozinhos na procissão estragam a ordem da procissão, e se tornam problemáticos, não apenas para si mesmos, mas para toda a comunidade também. “Homens que semeiam a discórdia, homens sensuais que não têm o Espírito”(Jud. XIX), nem tampouco “caridade para conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef. IV, 3). Mas como “não é bom que o homem esteja só” (Gen. II, 18), então nem é permitido que ele apareça diante do Senhor com as mãos vazias (Ex. XXIII, 15). Porque até aqueles que “nenhum homem contratou” são repreendidos por permanecer ociosos (Mt. XX, 16), o que eles não merecem é que, apesar de terem sido contratados, ainda são encontrados desocupados? Pois “fé sem boas obras é morta” (Tg. II, 26). Mas nossas boas obras devem ser feitas com o fervor da caridade e com o ardente desejo de agradar a Deus, para que possamos ser encontrados com “lâmpadas queimando em nossas mãos” (Lc. XII, 35). Caso contrário, há muita razão para temer o que Aquele nos disse no Evangelho, “Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso” (ibid. 49), encontrando-nos morno, vomitar-nos-á para fora de sua boca (Ap. III, 16).  Aquele fogo do qual fala o Salvador é o santo e abençoado Fogo que o Pai santificou e enviou ao mundo e que abençoamos nas igrejas, segundo o que está escrito: “Bendizei Deus nas vossas assembleias” (Sl. LXVII, 27). Nosso adversário também – aquele malicioso emulador das obras de Deus – ele também, eu digo, tem um fogo próprio: o fogo da concupiscência carnal, o fogo da inveja e ambição, o qual o Salvador veio não para acender, mas para extinguir. E quem quer que pretenda “oferecer ao Senhor um fogo estranho” (Lv. X, 1), mesmo que ele tenha Aarão por seu pai (ibid.), ele “deve morrer em sua iniquidade” (Jer. XXXI, 30). 

Mas no acréscimo à vida comum, à caridade fraterna, às boas obras e ao santo fervor de que venho falando, requeremos também a humildade, uma das maiores e necessárias das virtudes, a fim de que “ adiantemo-nos em honrar uns aos outros” (Rom. XII, 10), e que cada um possa preferir a si mesmo até o seu filho mais novo: pois esta é a perfeição da humildade e da plenitude da justiça. Outrossim, desde então, “Deus ama um doador alegre” (II Cor. IX, 7), uma vez que um dos frutos da caridade é “alegria no Espírito Santo” (Rom. XIV, 17), salmodiemos como eu disse “E celebrarão os desígnios do Senhor: ‘Verdadeiramente, grande é a glória do Senhor’”, vamos “cantar ao Senhor um cântico novo, porque Ele fez prodígios” (Sl. XCVII, 1). Mas em todas essas práticas de devoção, qualquer um de nós negligenciar o avanço e “ir em frente de virtude a virtude” (Sl. LXXXIII, 8): deixe que tal pessoa saiba que ele não pertence à procissão do Salvador, mas está parado, ou melhor, está indo para trás. Pois no modo de vida não avançar é recuar: aí “um homem nunca continuou no mesmo estado” (Jo. XIV, 2). Agora, nosso progresso espiritual – como eu me lembro de ter dito muitas vezes já – consiste, principalmente, nisto: que nós nunca “contamos a nós mesmos para ter apreendido”, mas que “”pres­cindindo do passado e atirando-se ao que resta para a frente” (Fp. III, 13), nós nos esforçemos incessantemente para nos tornarmos melhores, e manter nossas imperfeições constantemente expostas aos olhos da misericórdia divina.  


[1] Uma das acusações tradizas por Pedro Abelardo contra São Bernardo e seus irmãos cistercienses foi que eles tinham praticamente banido as procissões de suas solenidades: “Processionum fere totam venerationem a vobis exclusistis” (Ep. v. ad Bernardum). Isso pode ser respondido pelo fato de que um dos pontos principais da reforma cistercience foi a contenção de todos os luxos, mesmo no domínio do culto cerimonial, e a adoção de uma austera simplicidade em tudo, Além disso, os filhos de Citeaux, tendo que viver pelo trabalho de suas mãos, não dispunham de tempo para pompas litúrgicas tão magníficas, como se pode testemunhar em Cluny e em outros lugares: eles estavam frequentemente até mesmo compelidos, particularmente durante a época da colheita, quando ela deve ser armezenada e reunida, para intermitir a celebração da MIssa e recitar as horas diurnas nos campos abertos. Cf. Sermons on the Canticle of Canticles, vol. ii. p. 73 (Mount Melerray Translation). 

[2] “Nosso Senhor e Salvador, caríssimos irmãos, admoesta-nos ora por Suas palavras, ora por suas ações. Suas próprias ações são muitas vezes preceitos: embora desempenhadas em silêncio, elas nos ensinam o que devemos fazer. Deste modo, Ele enviou Seus discípulos, dois a dois, a pregar o Evangelho, pois há dois preceitos de caridade, a saber, o amor a Deus e o amor ao próximo, e porque, pelo amor da caridade, deve haver ao menos dois. Pois, propriamente falando, ninguém pode ter caridade em relação a si mesmo: o amor deve se dirigir ao exterior para merecer o nome de caridade. Portanto, ao enviar Seus discípulos a pregar, dois a dois, o Senhor pretendia dizer que aquele que não tem amor pelo seu próximo jamais deveria aceitar o ofício de pregador” (São Gregório Magno, Hom. xvii, in Evang.)


Traduzido por Ruan Gabriel a  partir da versão inglesa disponível em <https://coelifluus.wordpress.com/2016/02/03/second-sermon-for-the-feast-of-the-purification-of-the-blessed-virgin/>.