Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

China de 1845?

Jackson de Figueiredo

Um brasileiro fez esta tradução, absolutamente fiel ao espírito de certa obra, hoje considerada clássica, sobre o ex-Império Chinês, atual felicíssima República ou felicíssimas Repúblicas da China, se é que ainda se pode falar em China…

“O indiferentismo em matéria de religião, mas um indiferentismo radical, profundo, e do qual é impossível ter-se uma ideia exata se não o estudarmos no local, eis o principal obstáculo que paralisa a China há tanto tempo e impede a sua conversão. 

O chinês está de tal modo enterrado nos interesses temporais, nas coisas que afetam os sentidos, que toda a sua vida é um materialismo em ação. O lucro é o alvo único para o qual incessantemente se volta o seu olhar. Uma abrasadora sede de realizar proventos, grandes ou pequenos, pouco importa, absorve todas as suas faculdades, toda a sua energia. Só tem ardor para a conquista de riquezas e gozos materiais. 

Não crê nas coisas espirituais, tendo relação com Deus e a vida futura. Não o interessam; não quer mesmo interessar-se por elas. Se por acaso lê livros morais ou religiosos, é por desfastio, distração, mero passatempo. 

É para ele ocupação ainda menos séria que fumar ou saborear uma taça de chá. Se alguém lhe expõe os fundamentos da fé, os princípios do cristianismo, a importância da salvação, a certeza de uma vida futura, etc… todas estas verdades, que tão fortemente impressionam uma alma, por menos religiosa, ele normalmente as escuta com prazer, porque isto o diverte e excita a sua curiosidade. Admite, aprova tudo quanto se lhe diz. Não contrapõe a menor dificuldade ou objeção. A seu ver, tudo isto é verdadeiro, belo, magnífico. Ele próprio imediatamente se transforma em pregador, e ei-lo que fala de modo admirável contra os ídolos e em favor do cristianismo. Deplora a cegueira dos homens que se prendem aos passageiros bens deste mundo e, se houver necessidade, ei-lo a fazer uma soberba alocução sobre a felicidade de conhecer o verdadeiro Deus, de servi-lo, e merecer, por este meio, a vida eterna. Quem o escuta, já o supõe bem perto da fé, quase cristão. Não deu, entretanto, um só passo neste sentido. E não é bom pensar que à suas palavras falte uma certa sinceridade. Crê no que diz, ou pelo menos, o que diz não está em oposição às suas convicções, que consistem em não tomar muito a sério as questões religiosas. 

Delas fala como de uma coisa que não é feita para ele. Os chineses levam tão longe a indiferença, neles a fibra religiosa está tão morta, de tal modo dessecada, que pouco lhes importa se é verdadeira ou falsa, boa ou má uma doutrina. 

Uma religião é simplesmente uma moda a que podemos seguir, se nos agrada. 

Acrescento alguns dados que múltiplas leituras me têm permitido obter sobre a história da China… 

O primeiro é que toda esta indiferença religiosa desceu das classes dirigentes para o seio do povo, após tremendas lutas políticas. Um outro é que o critério que substituiu o religioso nesse período da vida chinesa foi realmente o critério judaico, isto é, os homens principiaram a só julgar dos homens e das coisas através o prisma de dinheiro… 

Ao que contam os jornais o Império Chinês quis levantar-se daquela miséria toda por processos revolucionários, ainda mais violentos que os anteriores, pois atingiam o princípio mesmo da autoridade. 

Dizem os mesmos jornais que a China não é, dessa hora para cá, o país mais feliz do mundo. Pelo contrário. Ao que dizem as referidas folhas reina por lá o bolchevismo e outras doenças temidas pelos industriais políticos de outras regiões. 

Só Deus sabe, porém, para onde marcham outros povos que vão repetindo lentamente certos passos da trágica dança chinesa… 

Gazeta de Notícias, 13 de julho de 1927