Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Breves comentários moderníssimos e até futuristas a um trecho de clássico republicanismo

Jackson de Figueiredo

Creio que o Sr. Assis Brasil, como doutrinário político, ficou tão contente com as suas primeiras obras, que não fez segundas… 

Terá escrito depois sobre o arranjo de granjas, sobre a criação de mula e cavalos, talvez sobre o tiro ao alvo, mas quando se quer saber o que ele pensa, realmente, sobre o grande país que ajudou a republicanizar, há que mergulhar o curioso pelo seu passado a dentro, até topar com as suas fundas meditações sobre o governo presidencial e a Federação. 

Ora, neste momento, o Sr. Assis Brasil como chefe civil da revolução, pode aspirar a tudo, inclusive, a ser, de uma hora para outra, o guia efetivo do país aos seus destinos temporais. 

Futuros revolucionários em gérmen poderão precisar saber, desde já, como julga o atual grande homem esses movimentos de impaciência, e, até certo ponto penetrarem também o seu secreto juízo sobre o movimento revolucionário, que ele próprio, Assis, está agora honorariamente chefiando… 

Dou-lhes, pois, de presente, o que se acha a pgs. 359-360 do seu famoso “Do Governo Presidencial”, do tempo em que o chefe civil da revolução queria ser, a uma vez, o Hamilton, o Madison e o Jay destes Brasis. 

Dizia ele, então, relativamente ao chamado direito de revolução que “é necessário uma circunspecção quase inatingível para saber se o uso do direito não traria maiores males do que o bem que se procura”. 

Ao que parece, e dada a primeira atitude do Sr. Assis Brasil, em face da revolução que hoje chefia, faltou aos que a iniciaram essa circunspecção quase inatingível… 

Entre os males, contidos numa carta, falsamente atribuída a um cidadão, e os males da rebeldia, atingindo, sobretudo, a disciplina militar, só mesmo os que têm feito profissão de revolta e os cegos de paixão, poderiam lançar o país nas agonias destes últimos anos… 

O Sr. Assis Brasil não cometeu esse pecado. Não apoiou a revolução, que tinha origens tão escusas. 

Mas, não lhe esquecia nunca um certo regulamento que gravou – o termo é seu – à brônzea página 359 do referido livro: 

Diante de um governo legal, embora cometa erros, ou aplique mal as leis, o patriotismo manda recorrer aos meios de responsabilidade legal e ter paciência, até que passe o tempo de tal governo. 

O governo Bernardes, se lhe aparecia cheio de erros, era um governo assim, que só exigia esforços de sua paciência. 

Mas o segundo termo do seu “regulamento” assim também rezava, à mesma brônzea página: 

Diante de um governo que abandona ostensivamente as leis fundamentais, deve-se na maioria dos casos, apelar para a violência. 

O chefe civil da revolução que estava incubado e constrangido no Madison ou no Hamilton brasileiro, não descansou, pois, enquanto não achou como cair do primeiro artigo do seu “regulamento” neste segundo de mais largo campo a gauchadas de ambição. 

É isto o próprio dos temperamentos essencialmente revolucionários e que não sabem nunca o que querem. 

O Sr. Assis Brasil é capaz de jurar que o Sr. Borges de Medeiros abandona ostensivamente as leis fundamentais do Estado, e, quem é capaz de jurar um tal despropósito, é claro, é claríssimo que chega facilmente a chefe civil de uma revolução, como a nossa, tão despropositada nas suas origens como nos seus fins. 

O Sr. Assis Brasil, o apologista do governo presidencial, está hoje chefiando, naturalmente, um movimento que, militar na sua origem, tem agora a seguinte finalidade doutrinária: voto secreto e presidente da República só para contar. Está, pois como doutrinário, equiparado ao Sr. Mário Pinto Serva, e é quanto basta. 

Não se fiem nisto, porém, os revolucionários futuros dos dias em que tiverem de se haver com o Madison brasileiro. 

Ele poderá, repentinamente, reencarnar a antiga personalidade doutrinária, e ver-se-á, então, que não será com facilidade que o levarão a convencer-se de tirania. 

Seja como for, e como simples, mas generoso aviso, aqui deixo o resto da brilhante página do Sr. Assis Brasil sobre o ofício das oposições, principalmente em certos países muito do conhecimento do nosso atual chefe civil da revolução. Ei-lo, o trecho sensato, mas ameaçador: 

Todos os governos, bons ou maus, criam logo uma oposição. Nenhuma oposição pretende justificar-se dizendo que o governo que hostiliza é muito bom, e que ela o agride sem razão. Todas alegam fatos e princípios. Se por princípios nem sempre há ensejo para irritações, nos fatos eles sobram. Vêm logo as afirmações exageradas: ‘Este governo está calcando as leis! Este governo está rasgando a Constituição! Este governo está fora da ordem! Este governo deve saltar pela força, já que não cede à razão’! Os homens que dizem e escrevem tais apóstrofes, fazem-no, em geral, por dever de ofício, sem a mais ligeira consciência da gravidade que elas encerrariam, se fossem tomadas a sério. Mas há atrás deles uma massa mais ou menos ingênua, mais ou menos ignorante, mais ou menos fanática, e não é raro que a reação de tal clemente sobre os diretores que o inflamaram faça traduzir as invectivas ao pé da letra e repetir as mesmas agressões pelas bocas das espingardas.         

Certas horas, quando posso pensar a sério nas questões destes últimos tempos, fico a imaginar se o Sr. Arthur Bernardes não era ledor assíduo do Sr. Assis Brasil. 

A realidade é que ele analisava desta maneira a oposição que tinha a combatê-lo… 

E quem sabe lá se, na prática, ainda não se encontrará o doutrinário “manqué” da República com o ex-chefe de Estado desta mesmíssima República tão amiga das “agressões pelas bocas das espingardas”!… 

P. S. AOS CALUNIADORES DE SEMPRE 

“O Globo” de sexta-feira trouxe uma nota em que, se ainda não me acusa de ladroeira, procura emprestar fisionomia de interesse, menos claro, à minha atuação pública neste momento. 

Diz “O Globo” que sou pago pela verba secreta da Polícia, sabe Deus para quê… 

Que se pode dizer de homens da espécie dos que orientam “O Globo”, se não se pejam das mais cruéis infâmias, contra aqueles que os combatem com decência e boa-fé? 

Sei que é impossível discutir, este terreno, com quem se desrespeite ao ponto de descer a esses fáceis processos de difamação, absolutamente impuníveis, num país como o nosso, e em hora de tantas paixões políticas, agitadas e insofreáveis.            

Mas, se n’O Globo há um homem honesto (o que não duvido, e até sei que os há), que este me procure para que eu lhe dê, sem fala modéstia, os meios de indagação segura de como vivo e de que vivo. E, talvez, esse cidadão possa, com justa indignação ainda, declarar aos responsáveis pelo seu jornal, que este procedeu como procedem os que não têm amor à própria dignidade, e só por isso maltratam, levianamente, a dignidade alheia. 

E não duvido que haja n’“O Globo” o homem digno de vir fazer esta devassa. Nem duvido mesmo, repito, que haja por lá outros homens de bem. Mas sujeitar-se-ia o responsável pelo dano moral da referida nota a uma devassa igual à que lhe proponho? 

A proposta aqui fica à espera da nobreza da resposta. 

E quase não há mais que dizer. Costumava lembrar Crispi que a calúnia não é arma nova em política. Ela substitui o punhal e o veneno de épocas mais rudes. Pois terei que me haver com ela enquanto viva, e vivam em derredor de mim os aleijões morais que por aí pululam. 

Meu interesse pela ordem pública não é de agora e até já estranhava a demora da calúnia. Ademais, neste momento, a principal função dessa chamada imprensa política é, na realidade, fabricar heróis da Revolução e transformar todos quantos contra ela se bateram, ou se batem, em assassinos e ladrões. 

Não me é possível, pois, fugir à sorte dos demais. 

Mas, fiquem certos que nem me amedrontam nem me perturbarão a serenidade com que defenderei, até o fim do fim, o ponto de vista da mais radical reação contra-revolucionária. Sejam infames à vontade, caluniem à vontade, escabujem de ódio, usem das armas adequadas `miséria moral que os dilacera. 

Continuarei firme, no meu humilde posto de luta. 

E quanto às minhas íntimas ligações com Pedro de Oliveira Ribeiro, tão íntimas que, há vinte anos, nem eu nem ele nos diferençamos entre os nossos irmãos – e é o ostensivo desta amizade o que, de certo, estará a acender por aí a ira de pequeninos e anônimos inimigos – estas ligações continuarão a ser as mesmas, em absoluta unidade de ideias e sentimentos, para irritação ainda maior dos que, neste país, a tudo atribuem fins menos dignos, e não compreendem atitude alguma, na vida de um homem, que não seja lastreada pelo dinheiro. 

Gazeta de Notícias, 15 de Julho de 1927.