Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Lições de um velho mestre

[Críticas de Jackson de Figueiredo às então recentes posições políticas de Carlos de Laet.]

Jackson de Figueiredo

Uma coisa eminentemente verdadeira é que no Brasil, faz quase vergonha defender-se a chamada ordem legal do país, porque, as mais das vezes, são os próprios elementos conservadores, ou aqueles que mais diretamente a representam, os mesmos convictos do seu direito, da sua legitimidade, e, deste ponto de vista, teve razão de sobra o Sr. Conde de Laet quando, como monarquista liberal e sebastianista do passado regime, ainda em 1910, afirmava que o exército devia manter-se de posse do seu direito revolucionário, em face da República, revolucionária, por isto que com a maior serenidade e segurança negava já tivesse entrado a nação numa fase normal e digna de respeito. “O terremoto de 89 ─ dizia ele ─ ainda não acabou. O movimento contra a autoridade continua”. “A revolta entre nós não é um acidente, um caso esporádico: é uma diátese. Se acaso a pretendeis curar, não pode ser nem com os paliativos da tolerância e com fomentações de anistia, nem tampouco com a tremenda cirurgia do bombardeio. É preciso ─ e quantas vezes o tenho já dito! ─ é preciso um tratamento racional e que tempere o organismo”.

O Sr. Conde de Laet naquela mesma soberba página de “Verdades”, já se mostra revoltado contra a permanência de um tal estado de coisas, e, após relembrar a alegria de Quíron educando Aquiles, nutrindo o aluno com medula de leão, eis as suas últimas reflexões e o seu conselho: “O direito da força, a violência a decidir em suprema instância dos litígios da moral e da política ─ tal o consectário a que fatalmente nos há levado o movimento de 89, com que lavramos um tento, comemorando o início da grande crise…

“Nesta agitação perene das consciências em desordem, eu não vejo salvação possível senão na volta ao regime da autoridade. O meu ideal, é a monarquia constitucional representativa, que acima das vicissitudes da eleição e dos partidos coloca o chefe inamovível, e baixo dele estabelece as responsabilidades efetivas dos ministros; mas, se acaso ainda mantendes o fetichismo republicano (que consideravelmente) fazei, pelo menos uma república ordeira, conservadora, respeitadora da autoridade e, por tudo dizer em poucas palavras ─ uma república sinceramente cristã…

“Não a façais, porém, sem que para isso eduqueis as novas gerações. Afasta dos lábios dela os venenos da insurreição de verbiagem sofística, da irreligião que estólida principia negando a Deus e acaba conturbando os homens”.

“O ignóbil repasto materialista e revolucionário não pode criar os Aquiles de futuro. Dá-lhe o alimento dos heróis: a medula da força e da verdade”.

O conselho do Sr. Conde de Laet não foi ouvido. Sabe-se que o governo que se seguiu, o do Sr. Marechal Hermes, não foi o de um comendador da tal medula. Talvez por isso, no entanto, as revoltas e os motins caíram em chusma sobre o salvador militar da República. Não esmoreceu o senhor Conde. Ninguém melhor do que ele fez então a psicologia da maior parte dos nossos movimentos revolucionários. Não só mostrou que quase sempre a sua causa, deles, “é um segredo um mistério. Uma coisa que sem razão sobrevém”, como não se temeu de demonstrar em maio de 1911, isto é, na hora mesmo da tremenda agitação popular, quanto havia ignóbil exploração política e jornalística no caso dos fuzilamentos do “satélite”. E uma palavra sua foi então lição proveitosíssima: “O que, porém, como imparcial espectador dos debates não posso deixar sem nota é que, pela mais extraordinária das coincidências, os acusadores de hoje são personagens sobre quem pesa a tremenda responsabilidade histórica de piores atentados”. E terminava após ter relembrado crimes de que era acusado um deles: “Eu não sei que voltas pode ainda dar o mundo; mas, francamente, quando ditador for de novo o Sr. Ruy, ministro da justiça, o Sr. Barbosa Lima e chefe da polícia o Sr. Irineu Machado, muito medroso não será quem emigrar, ainda que seja para Portugal!”

O Sr. Conde de Laet, que era, como ainda é, um dos poucos homens que podem julgar o que é e o que vale a imprensa política do Rio de Janeiro, e do Brasil em geral, teve então palavras realmente do mais alto bom senso e severidade contra aqueles que, como Ruy Barbosa, julgavam oprimida a imprensa e ameaçada a liberdade de pensar.

Ele, que já escrevera aquela página famosa e soberanamente verdadeira sobre a “tirania da imprensa” ─ não sei se antes ou depois de sair vitorioso contra as mais torpes calúnias que lhe havia lançado um dos oligarcas, que ainda hoje a dominam ─ com a lógica imperturbável de quem possui perfeitamente o seu assunto, teve palavras como estas a respeito da chamada liberdade de imprensa:

“Repentinamente se tem escrito que a Inglaterra é o país clássico da liberdade, e mais uma vez ela o acaba de provar, mostrando como praticamente a entende e dela goza, metendo um sujeito na cadeia.

“À primeira vista afigura-se isto paradoxal. Pois então é liberdade prender um homem? E o espanto subirá de ponto, quando se saiba que esse homem é um jornalista e republicano.

“Sim, liberdade, pois esta deixa de existir desde que, no exercício da sua atividade, alguém se comporte de modo nocivo aos direitos de outrem.

“Assegurar a certos indivíduos, pelo supersticioso temor de incorrer na pecha de iliberalismo, o privilégio de impunemente agredirem a reputação alheia, cobrirem de ridículo ou de opróbrio seus concidadãos, imputarem-lhes sem prova ou sequer indício as maiores mais degradantes torpezas, entrarem a miúde pela vida particular e não raro enxovalharem a reputação de mulheres, ferindo na esposa ou na filha o homem a quem desejam desonrar ─ eis o que só pode parecer liberdade nos povos em que a falência do raciocínio tenha produzido o fetichismo das palavras, o culto das sonoridades, e o desamor da verdade sempre indefesa a pataratas.

“E, entretanto, tal é o que de ordinário sucede e se acoberta com o nome de liberdade de imprensa em muitas nações modernas e notadamente entre nós.

“Um grupo de sujeitos, sem inteligência e preparo para as profissões científicas ou literárias, sem coragem para assentar praça no Exército, ou na Armada, sem aferro ao trabalho para as labutas do comércio, sem forças físicas nem morais para as rudes e honrosas lidas do operariado, atira-se ao jornalismo, não para a propaganda de um ideal, não para o serviço de uma causa honesta, não ainda pela paixão da publicidade e das efêmeras gloriosas que ela acaso nos traz, mas simplesmente para armar um instrumento, uma gazua com que possa abrir o tesouro público e os cofres dos argentários, intimidando ministros, [os] funcionários, magistrados, [os] empreiteiros, influências políticas, e destarte derivando em proveito próprio boa parte da fortuna pública e particular.

“Assim é que se explica por que, sendo tão mesquinhos, para o jornalista honrado, e ainda para os de mais festejado nome, os réditos o seu labor intelectual, por mais extenuante que o tornem as necessidades da família, de improviso nos surgem nababos jornalísticos cuja erudição não resistirá a um exame para carteiro e cuja bagagem literária facilmente se contivera em algumas colunas de jornaleco.

“Vede, porém, até que ponto chega a ignorância popular. O povo, que é quem afinal paga os criminosos lucros desses exploradores da publicidade, porque do povo são os dinheiros extorquidos ao tesouro que eles cotidianamente assaltam, o povo os têm como seus defensores e amigos, e ainda por cima lhes compra as folhas em que eles detraem os funcionários não complacentes, os juízes austeros e em geral todos aqueles que aos latrocínios e chantagem opõem a barreira da austeridade! 

“Pobre Povo!”

Cito, assim, com tanta largueza o Sr. Conde de Laet, em primeiro lugar, porque é sempre agradável e um favor feito a quem lê a citação do que ele escreve. Além disto eu preciso defender-me de insinuações malévolas, e nenhum patrocínio me é mais honroso que o do velho mestre de monarquismo liberal.

Porque, digo-o sinceramente: em questões políticas nacionais, de ninguém aprendi mais do que do Sr. Conde de Laet.

Sem partilhar as suas creio que já mortas, mas outrora muito vivas esperanças de restauração, sem ter o mesmo entusiasmo que já teve S. Ex. pelos processos militares na obra de recristianização da República, uma coisa, pelo menos, desde o civilismo, lucrei do convívio com as suas letras, da intimidade com a sua doutrinação jornalística: o desenvolvimento do sentido que chamarei do respeito à autoridade, e um consequente horror, que me não larga, a todas as campanhas da demagogia e da exploração jornalística.

Para ganhar ou para perder eu sempre procurei ficar, tal como aconselhava o Sr. Conde de Laet, aonde não estavam os tiranos da imprensa, os desrespeitadores de todo o bom senso e de toda a boa fé.

Durante o governo do Sr. Arthur Bernardes, criatura que, certamente, não me fez maiores benefícios do que o Sr. Conde de Laet, ainda me lembro de ter ouvido, de S. Ex., em sessão do círculo católico, palavras que feriam fundo a agitação revolucionária. Eu, que desde a célebre questão das cartas falsas, voluntariamente me pusera ao serviço da causa odiada ─ note-se a estupenda coincidência ─ corifeus dos motins contra o marechal Hermes (exceção feita por Ruy Barbosa, que pagou caro, como se sabe, a sua atitude de homem de bem) tive então o contentamento de saber, de modo tão positiva, que ainda andava na excelente companhia do velho mestre reacionário.

Mas, passam-se os tempos, e noto que o Sr. Conde de Laet se fez inimigo tão acirrado do governo Bernardes, a ponto de endossar com a sua autoridade as monstruosas e absurdas acusações com que a tirania da imprensa procura castigar, hoje em dia, o homem que, por tanto tempo, a afrontaria.

É, realmente, de edificar!

O Sr. Conde de Laet consente que a sua paixão o cegue a tal ponto que, sem a menor cerimônia ante a evidente inverdade, chega a afirmar que desapareceram os defensores do Sr. Bernardes, mal o homem sinistro deixou o Catete.

De maneira que, ao que parece, o Sr. Conde de Laet só lê ou só pede que lhe leiam, os jornais da demagogia e da exploração popular. Para ele as defesa que “O País”, “A notícia” e este jornal, tem feito, do governo passado, das suas intenções, assim como dos seus processos, tudo isto foi, até agora, como se não existisse ou como se se tivesse escrito na China, ou no Japão.

Que é que se há de fazer ante uma coisa assim? 

Calar pelo respeito que se deve ao Sr. Conde de Laet?

Mas quem, em primeiro lugar, estará faltando então a esse respeito?

O Sr. Conde também não leu as diversas defesas que tenho feito do homem que, maior que os seus próprios erros, soube evitar que a sociedade brasileira desse um pulo no escuro… Não as leu, e chama-me a fala, como censor que fui, a mim e outros beleguins da minha espécie. Dada a finura do que escreve agora S. Ex., não sei mesmo até que ponto pode chegar a confusão que estabelece a respeito de todos quantos ousaram defender esse malfadado governo, que só a mais do meio para o fim, assim lhe pareceu. Seja como for, quando um homem merece o respeito que o Sr. Conde de Laet, só se responde ao que, com a firmeza de que é capaz, ele quis positivar. 

E por enquanto não há mais que responder ainda que muito fique digno de estranheza.

A minha opinião sobre a atual situação política, opinião que só poderá interessar os homens sensatos, é a mesma do Sr. Conde de Laet, em 1909, em face de outras agitações semelhantes às atuais:

“Aproximem-se de Deus os poderes públicos que sistemáticos o postergam. Só dEle nos pode advir o respeito que na autoridade humana vê, refletida, a autoridade divina. 

“Abstenham-se de imprudentes e absurdas confraternizações os representantes do governo. Abraçar o revolucionário é reconhecer a revolução. Junto de governos conscientes da sua missão, não deve haver lugar para ateus e agitadores. 

“Moderem desabafos e despeitos os que um dia se vejam feridos em seus direitos e interesses. Não é lícito aconselhar desvarios e arruaças. No meio dos muitos males da triste hora que atravessamos, anarquia seria o pior de todos”. 

Nada há a acrescentar.

Gazeta de Notícias, 19 de janeiro de 1927