Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Hoje como ontem

Jackson de Figueiredo

De ontem nenhum recebi agravos e sofri injustiças políticas como os que me fez o Sr. Arthur Bernardes e, adulador e subserviente, para uns, e atiçador de ódios para outros, o que consegui, graças a Deus, foi manter-me, até hoje, dentro da mais perfeita coerência, em relação à luta política que se travou em derredor do seu governo, governo que passará à história ― se o Brasil continuar a existir como país digno deste nome ― como o mais admirável e tremendo esforço da consciência nacional para manter-se coesa e una, em face dos terríveis gérmens de anarquia e de violência que a ameaçam de apodrecimento e dissolução.

E quando falo dos meus agravos não é só por vaidade que assim o faço; não é só para ter o gosto de ouvir repetidas as mesmas infâmias e injúias dos meus inimigos, como provas da impotência em que estão de apontar um só fato que testemunhe “paga” ou “ingratidão” do Sr. Arthur Bernardes aos serviços que lhe prestei e ao seu governo.

Eu sei que eles não o poderão fazer nunca, como o próprio ex-presidente jamais poderia provar que lhe solicitei, para mim, um só favor.

O que me leva a acentuar assim o meu desinteresse, lutando até ao fim, ao lado do governo de quem há mais de dois anos não podia merecer de mim nenhuma espontânea consideração ou simpatia de ordem pessoal, é sobretudo o dar maior autoridade a minha palavra, palavra de homem de bem, FORÇADO PELA EVIDÊNCIA DOS FATOSnão só a considerar o Sr. Arthur Bernardes um grande brasileiro sacrificado aos erros e às misérias deste regime, como até a ver pelos OLHOS DA CONSCIÊNCIA, caladas as minhas paixões pessoais, a ver, repito, com amor e verdadeiro respeito esse homem valoroso, que, resistindo a todas as tentações da sempre fácil popularidade, envelheceu na luta, gastou o melhor das suas energias físicas e morais, teve de certo mais de uma vez de conscientemente por de lado o próprio coração, mas não cedeu diante de nenhuma ameaça, não recuou diante de nenhuma dificuldade para evitar a bolchevização da sua pátria e o aniquilamento da família brasileira.

Pois bem: ontem já principiou a terrível campanha de demolição e de ódio ao homem que já não tem nas mãos as armas com que soube defender o patrimônio moral, o mesquinho patrimônio moral desta pobre República. E mais: as sereias do romantismo, do mórbido sentimentalismo político, já ressoam de novo, livremente , deseducando, envenenando o povo, que é o único a sofrer com as revoluções, e a quem se tem conseguido convencer de que não há governo deste país, principalmente governo já passado, que não seja governo de bandidos e assalariados, capazes de todos os excessos e de todas as misérias.

Que o Sr. Arthur Bernardes errou também crassamente em relação ao governo que o antecedeu, é o que não se pode negar, sei-o eu, desde que um homem tem a coragem de olhar para a situação atual do Brasil através do prisma conservador, ou melhor, de encarar a nossa crise revolucionária debaixo de um critério de reação e consequente solidariedade de todos os elementos de ordem e disciplina.

Os seus erros, porém, não justificarão novos erros, e não é crível que os homens que encarnam neste momento, o espírito da sua obra, consintam que, desde já, o falseiem de modo mais indigno, o que fôra esquecer, compromissos que não são compromissos com o Sr. Arthur Bernardes, mas com a cultura moral do país e com a dignidade do Estado.

Se do lado das paixões revolucionárias há representativos, que merecem respeito pela convicção e a persistência das suas atitudes, os nossos homens de governo precisam conservar-se pelo menos, à altura de tais convicções do lado oposto, mesmo porque, se o revolucionário pode ter dúvida a respeito da causa que abraçou, um homem de Estado, não pode manter-se coerente e dignamente nas posições de mando e de poder se duvida do direito com que a sociedade organizada defende-se dos que a perturbam, de modo arbitrário e violento.

Convençam-se, em primeiro lugar, os homens públicos do Brasil, que a crise revolucionária ainda não passou nem passará com simples medidas de ordem sentimental. E é isto mesmo o que reconhecem os revolucionários que mais dignamente combateram o governo do Sr. Arthur Bernardes.

Eu não sei se o regime republicano, em que vivemos, é digno da luta que está travada. Uma coisa, porém, é evidente: que, para salvar-se a ordem social, entre nós, para salvar-se o que já temos realizado de cultura política e alcançarmos uma outra ordem política qualquer, é preciso primeiro vencer as paixões revolucionárias, das quais não é a menos perigosa a de doentia feição sádica com que direta ou indiretamente, sempre concorremos para que se destrua a reputação de todos os homens públicos que se têm sacrificado à causa da ordem no Brasil.

E o pior é que o círculo vicioso é cada vez mais estreito e sufocante. Um povo que os seus próprios dirigentes deseducam como, geralmente se faz, entre nós, é um povo sacrificado, é um povo que se suicida, porque não é possível dar-se duração e autoridade ao esforço que se faz em seu favor, quando não há gesto político ou ato de governo que não tenha, mesmo para os que os apoiam, caráter puramente pessoal.

Uma campanha, a esta hora, contra o Sr. Arthur Bernardes, parta ela de quem partir, quando não seja ato de impatriotismo é pelo menos, prova de falha de visão realista, de desconhecimento da nossa atual situação social e política.

Acima de todos os seus erros de ordem pessoal, e até mesmo acima de todos os seus erros políticos e administrativos, deve pairar, ― aos olhos dos representantes da ordem pública brasileira e de todos os cidadãos conscientes da própria cidadania ― o valor moral da sua resistência é anarquia, a sua admirável, incomparável lição de energia calma, de convicção inabalável em prol da ordem e da unidade nacional.

Quem aliar a um sincero patriotismo em senso esclarecido das realidades brasileiras: quem aliar ao amor do bem público um objetivismo político realmente acima dos enganosos triunfos ou das passageiras derrotas da luta política cotidiana, há de sentir que aqui fala uma consciência, que realmente se respeita quando, reafirmando que, ao Sr. Arthur Bernardes ninguém, de boa fé, pode negar o título de grande brasileiro, chamo a atenção dos que são dignos para a defesa, que é preciso fazer-se e sem descanso, da sua dignidade pessoal, que está, ninguém se engane, intimamente ligada à dignidade da sua formidável obra de patriotismo e de fé nacional.

Gazeta de Notícias, 17 de novembro de 1926