Sociedade civil católica, destinada à difusão da Cultura Ocidental e à atuação política em defesa da família, em observância à Doutrina Social da Igreja.

Homenagem à injúria

Jackson de Figueiredo

A caluniadores ou a simples profissionais da injúria, não raro fica um homem de bem devendo a satisfação de algumas vaidades.

“Na opinião de todo mundo, dizia Tácito, dar testemunho de sua própria virtude é menos arrogância que confiança na dignidade da sua vida”.

É, realmente, assim. Mas ainda o mais digno temeria louvar a si mesmo sem a provocação da injustiça.

O injuriador tem, pois, às vezes, função social, senão louvável, pelo menos útil, e eu quero aqui deixar a alguns dos que me têm injuriado ultimamente, os meus mais sinceros agradecimentos.

Um deles, que se tem feito notar pela grosseria e gratuidade dos ataques, que me dirige, não ousando caluniar-me, propriamente, pois evita citar fatos, se delicia, de tempos  a esta parte, na injúria mais deslavada ou nas insinuações mais indefinidas e mais vagas.  

Todavia o que apreendi de mais claro, em meio às contradições de quem ataca sem convicção, é que sou acusado de adulação a todos os governos, de adulação e ingratidão… Ao Sr. Epitácio, enquanto na presidência, vivi a adular. Logo que o Sr. Epitácio saiu do Catete, passei a apedrejá-lo e a adular o Sr. Arthur Bernardes. E, por fim, lá está estampada esta fácil profecia: logo que o Sr. Arthur Bernardes deixe a presidência, passarei a apedrejá-lo e a adular o Sr. Washington Luís…

Vejamos agora se ainda há um pouco de vergonha e de pudor da parte dos que ousam defender tais coisas.

Aceitem eles o desafio. Ficam emprasados ao seguinte:

1° — Citar um só artigo meu que, no período, que vai do início do governo Epitácio até 5 de julho de 1922, não seja de respeitosa mas sempre alerta oposição ao Sr. Epitácio.

A razão desta oposição era simples. Eu refletia do meio político em que vivia, a confiança de que o Sr. Epitácio fosse inclinado, na questão presidencial, a uma solução menos digna para o país, como seria toda aquela em que se cedesse uma linha sequer ante a pressão de mashorqueiros e revoltosos.

A 5 de julho, o Sr. Epitácio não esmagou somente aqueles que estavam de armas na mão. Esmagou também, na consciência, de quem tinha consciência, toda e qualquer dúvida a respeito do seu patriotismo e da sua dignidade de homem público.

De 5 de julho, pois, a 15 de novembro daquele ano, nada mais diz que louvar no ex-presidente a coragem com que sufocara a revolução e reduzira a nada os seus insufladores.

O que os infelizes que me injuriam não poderão compreender nunca é o que lhes declaro:

Conheci o Sr. Epitácio no dia 22 de julho de 1922. Durante todo o seu governo só duas vezes mais tive a honra de falar-lhe.

A primeira, pouco depois da rendição de Copacabana, para atender a um pedido do meu querido amigo Dr. Affonso Penna. Este e o próprio Sr. Epitácio poderão dar testemunho de que não procurei o então chefe de Estado para pedir-lhe favor de qualquer natureza. Muito pelo contrário. A terceira e última vez que falei com o Sr. Epitácio foi justamente no dia 15 de novembro.

É que eu estava com os que o levaram até o “Glória”, por entre aclamações.

O Sr. Epitácio nunca, até então, me viu através outro prisma que não o de um simples servidor da ordem legal. Não se julgava com deveres de amigo, nem mesmo de amigo político, e jamais lhe passou pela mente recompensar-me serviços que não eram feitos à sua pessoa e, sim, ao chefe de Estado.

Chego, assim, pois, a outro termo do meu desafio:

2°– Citar um só, um único favor, que me tivesse sido feito pelo Sr. Epitácio Pessoa.

E passo logo ao

3°– Citar um único artigo meu em que, aparecendo o nome do Sr. Epitácio, não esteja ele acompanhado dos maiores louvores, artigo que traga uma data qualquer entre 15 de novembro de 22 e o dia em que publico estas linhas.

O que os infelizes fingem esquecer é o que nem preciso documentar.  O Brasil todo sabe que, quando não agradava a ninguém, e até na ausência do Sr. Epitácio, sempre considerei ponto de honra o enfileirar-me entre os mais intransigentes defensores do ex-presidente.

Os meus injuriadores que provém o contrário, que citem, pelo menos, uma palavra minha, que não seja de louvor ao grande brasileiro, desde que ele deixou a presidência da República.

E agora vejamos o que diz respeito ao atual governo.

Em primeiro lugar, porém, devo, sem falsa modéstia, dizer alguma coisa em relação aos serviços que lhe tenho prestado, desde o início da campanha, em que o Sr. Arthur Bernardes, com atos de inexcedível coragem e patriotismo, conquistou a presidência.

Aliás, não usarei de palavras minhas, nem mesmo de palavra política, e, por conseguinte, interessada na questão.

Quero deixar aqui o testemunho de dois homens de bem, acima de qualquer suspeição, e que desapaixonadamente podiam falar, como falaram, da luta que se travava no Brasil, e da qual ainda não estamos completamente afastados.

Ver-se-á que não me gabo nem me fale em pura convicção fantasiosa, quando me refiro aos meus esforços em prol da estabilização da ordem legal no país.

Logo após a vitória do Sr. Bernardes, Tristão de Athayde, o nobre crítico d’”O Jornal”, assim se referia à minha atuação:

“Foi talvez o elemento moral mais poderoso da candidatura Bernardes, colocada aqui entre o ataque desbragado da oposição e a justa suspeição oposta à sua imprensa.”

Em 17 de dezembro de 1922, Mario de Alencar, homem que honraria qualquer país do mundo, tanto pela cultura como pelo caráter, era assim que também saudava “A Reação do Bom Senso”, livro em que enfeixei grande parte dos artigos que publiquei durante a campanha presidencial:

Suspeitos os jornalistas e os políticos, a richa que tinha o só aspecto da política, parecia deixar indiferente os que não se comprazem em luta popular, ou compreendem a inutilidade da razão, quando contraria instintos viciados. E não se ouvia voz que falasse pela razão.

Foi quando V. Interveio com o seu comentário.

No que aos outros se afigurava simples questão partidária, V. viu que havia um problema da mais alta política, da vida moral da nação, da sua essência que é o caráter; e a ele V. não podia conversar alheios o seu pensamento e o seu cuidado.

E fora de partidos, fora de interesses, sem complacências nem atenções, como puro pensador que não perde o piso no solo firme, V. entrou no debate político; e sentiu-se que faltava alguém, faltava o pensamento enfim, alto e desembaraçado.

Mas combatendo pelo ideal da ordem, pela supremacia da razão sobre a força, pelo respeito à tradição brasileira, e pela fé católica, por isso mesmo a sua simpatia havia de volver e servir aos que no momento lutavam, posto que interessadamente, contra a desordem, contra a força bruta, e nas suas principais figuras correspondiam àquela tradição e àquela crença. Tomaram então a V. por partidário, e foi bom esse engano, que predispôs as condições adequadas ao seu temperamento combativo.

Faltava-lhe em verdade um jornal seu para a plena liberdade de seu pensamento, mas ainda como colaborador V. fez valer a sua prerrogativa de responsabilidade pessoal, e não calou, não escondeu nenhuma fala da sua consciência da amizade; não refolhava coragem, não disfarçava inconvenientes.

Iniciados com o ardor da sua convicção e da necessidade de apregoá-la, para o bem do país, os seus artigos foram crescendo em tonalidade, ao passo que avultavam os riscos de falar rijo e alto, ante os sinais de revolta de militares. Mas a sua palavra vivaz inflamada de panfletário jamais desceu ao doesto e ao gosto de luta pessoal. Se houve magoados e feridos do seu ataque, foram os erros, os desvarios, as vilezas, as insígnias personificadas, e onde não havia separar figuras e atos.

Não sei se outro escritor que então, de tão alto quanto V., como vôo de pensamento e de caráter, e com igual força de argumento e vigor de expressão, tivesse falado ao Brasil, nesses dias de febre coletiva. Assim, nenhum outro poderia de artigos que tenha escrito então, compor como V. um livro; um volume talvez, que para o volume basta a matéria; mas não um livro, como este seu; porque o livro é organismo de corpo e alma, e nasce por si, não da vontade.”

Ninguém pode negar que daquela época aos dias que correm, tenho mantido a mesma atitude, e mais do que outro qualquer testemunho me basta o dos ódios que tenho provocado, e não desejo, de modo algum, aplacar.

Pois bem: relativamente a este governo, deixo aqui, para meus injuriadores, mais estes dois termos do mesmo desafio:

4° — Citar um só artigo meu em que louve o Sr. Artur Bernardes senão como homem de pulso, de determinação, de fria e lúcida coragem, salvador do país, enfim, na luta contra a anarquia e a desordem.

5° — enumerar os favores que já recebi do atual presidente.

Os infelizes que me injuriam tão talvez junto ao próprio Sr. Arthur Bernardes algum amigo, informante e protetor, é que seja, ao mesmo tempo, gratuito, mesquinho e reles inimigo meu, como espero que Deus sempre me dê. Pois aqui está: consigam dele uma palavra clara, uma indicação positiva, um testemunho irrecusável de qualquer espécie de favor que, para mim, pessoalmente, eu já tenha pedido ou mesmo espontaneamente merecido do atual presidente, exceto os dois casos que vou citar:

1° — Nomeou-me o Sr. Bernardes chefe de um Serviço de Fiscalização no Ministério da Agricultura.

La passei 3 ou 4 meses. Demiti-me eu próprio no dia em que o Sr. Bernardes fez o Sr. Lopes Gonçalves senador pelo meu estado natal.

O atual presidente recebeu, a esse tempo, uma carta minha, na qual, posso asseverar, não havia uma só palavra de adulação. E não a publiquei, não porque temesse o sítio. Não a publiquei única e exclusivamente porque nunca fui um comediante que se queira dar importância, e não via nenhuma vantagem em parecer contra um governo que, do ponto de vista geral, que era e é o da contra-revolução, eu me sentia, como me sinto, obrigado, pela minha própria consciência, a sustentar e apoiar, tanto quanto estivesse e esteja nas minhas forças.

E tanto foi assim, que só a revolução poderia aproximar-me de novo, politicamente, dos homens que o representam.

De fato, quando ela, mais uma vez, irrompeu em São Paulo, fui dos primeiros que formaram ao lado do Sr. Bernardes, indo até para a praça pública dizer o que me ditava a consciência de brasileiro.

De lá para cá, deu-me o Sr. Arthur Bernardes a chefia da Censura à imprensa desta Capital, cargo em que me conservo.

Aceitei-o contra evidentes interesses meus, que só a mais despudorada má fé ou a estupidez mais completa poderá negar. Não foi, positivamente, um leito de rosas, o que me deu o Sr. Arthur Bernardes. Ele próprio terá consciência disto, e poderia esclarecer os meus inimigos sobre as vantagens que me têm resultado da defesa, que tenho feito do seu governo, contra profissionais da desordem e empreiteiros de destruição da autoridade.

Tanto o Sr. Epitácio como o Sr. Arthur Bernardes não poderão, pois, negar-me nunca o único testemunho que me devem como homens de honra: o testemunho de que jamais os servi como político interessado mas, sim, unicamente, como brasileiro, como católico, como homem que estava e está convencido de que, na crise que atravessamos, acima de todos os os bens particulares, devemos pôr o do fortalecimento da autoridade e, principalmente, dos seus princípios geradores na consciência nacional.

Entretanto, o Sr. Arthur Bernardes — dirão os meus injuriadores — poderá ignorar o que outros, à sombra de sua autoridade, tenham feito por mim, como ignorará, de certo, o que, de menos honesto, tenham feito por outros, que não eu.

Pois bem: surja este que se julgue com direito de apontar-me como favorecido pelo atual governo, e bebam, os meus injuriadores, desses lábios, a quem, por minha vez, dou o direito de se conservarem na sombra, deles bebam a segurança, a certeza, a prova de que já recebi um único favor do atual governo, a não ser que se queira considerar como tal consideração devida a todo homem de bem, e que, de fato, costumo exigir sempre para mim.

Gazeta de notícias, 25 de agosto de 1926